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29 anos do Caso Nova Brasília – um histórico de violações

#JustiçaPorNovaBrasília – Está em jogo a redução da letalidade policial, o enfrentamento do racismo como eixo central para a luta contra a violência de Estado, a denúncia sobre violência sexual de Estado como forma de tortura e outras pautas fundamentais para a luta por Direitos Humanos.

Junte-se a essa força-tarefa de denúncia.

O que aconteceu no caso favela Nova Brasília? 

A questão central do caso é a ausência de resposta estatal adequada em relação às chacinas protagonizadas por agentes da polícia do Estado do Rio de Janeiro, na Favela Nova Brasília, Complexo do Alemão, em 18 de outubro de 1994 e 08 de maio de 1995. 

Na operação policial realizada em outubro de 1994, os agentes de segurança do Estado executaram 13 (treze) pessoas, incluindo adolescentes, em sua maioria negros. Essa incursão policial também foi 

marcada pela tortura sexual de Estado: três jovens, duas delas adolescentes, foram vítimas de atos de violência sexual por parte de agentes policiais, reconhecidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) como atos de tortura. Na operação policial de 1995, os agentes do Estado mataram outras 13 (treze) pessoas. As familiares e as vítimas são representadas na Corte IDH pelo ISER e pelo CEJIL. 

Na sentença condenatória, a Corte IDH afirma que as duas chacinas se inserem no contexto estrutural de violência policial no Rio de Janeiro, destacando que a letalidade policial é distribuída de forma brutalmente desigual em termos de raça e classe, atingindo de forma predominante jovens, negros, pobres e desarmados. Esse contexto é impulsionado pelo acumpliciamento de diversos órgãos de Estado, que legitimam uma política de segurança pública violenta e racista. Apesar do farto material de informação sobre as duas chacinas e os episódios de violência sexual de Estado, as ações  de investigação no âmbito interno não foram capazes de apresentar respostas efetivas para a identificação e responsabilização dos agentes de Estado, assim como medidas de reparação adequadas para as familiares e vítimas da violência estatal. 

Quais são os maiores absurdos do caso?

  • Até o momento, o Estado não cumpriu de forma minimamente adequada os pontos resolutivos da sentença; 
  • A letalidade policial no Rio de Janeiro e no Brasil, de forma geral, segue em tendência de crescimento, sem que o Estado apresente medidas concretas para a sua redução, desobedecendo as determinações da Corte IDH e do STF, na ADPF 635; 
  • As vítimas de tortura sexual de Estado seguem tendo seu direito de assistência psicossocial especializada e de qualidade violado, com perspectiva de  gênero, raça e classe que atravessam essas violências e suas repercussões sociais;  

O que é reivindicado pelos sobreviventes e familiares de vítimas do caso?

As vítimas e familiares de vítimas foram determinantes para que o Estado brasileiro fosse condenado pela Corte IDH. A atuação como defensoras de direitos humanos foi fundamental para o resultado da sentença e são peças essenciais para o atual processo de supervisão do cumprimento da sentença. 

Nesse contexto, as familiares, vítimas e organizações representantes (ISER e o Centro pela Justiça e o Direito internacional – CEJIL) e demais organizações e movimentos do campo lutam por memória, justiça e reparação, através do cumprimento dos pontos resolutivos da sentença, incluidas as medidas de reparação específicas, como efetiva responsabilização dos agentes de Estado responsáveis pelas chacinas e tortura sexual, reparação individual e atendimento psicossocial; mas também, e com muita ênfase, através das medidas de não repetição, na luta por políticas públicas de redução da letalidade policial e promoção de direitos sociais nos territórios de favela.  

O que está em jogo no caso favela Nova Brasília?

Está em jogo a redução da letalidade policial, o enfrentamento do racismo como eixo central para a luta contra a violência de Estado, a denúncia sobre violência sexual de Estado como forma de tortura, o reconhecimento da ampla responsabilidade institucional pelas violações produzidas pela Estado, incluindo o Poder Judiciário e Ministério Público, entre outros temas. 

A sentença do Caso Favela Nova Brasília é  um instrumento de luta coletiva, que se soma ao repertório político construído pelos movimentos de familiares de vítimas de violência de Estado, diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil.  

Qual o momento atual do Caso?

18 de outubro de 2023 é o marco de 29 anos da primeira chacina do Caso Favela Nova Brasília. 

Atualmente o caso se encontra sob supervisão de cumprimento de sentença. As organizações representantes e o Estado enviam periodicamente informações para a Corte IDH sobre o Estado de (des)cumprimento da sentença internacional, por parte do Estado brasileiro. No curso do monitoramento da implementação da sentença, a Corte IDH pode convocar audiências públicas, sejam elas públicas ou privadas. Em 2021, ocorreu uma audiência pública sobre as medidas de não repetição, na qual foi endereçado o sistemático descumprimento do Estado em relação às determinações da Corte IDH: https://www.youtube.com/watch?v=QBhpuJlRroE&t=176s 

O marco dos 29 anos do primeiro caso é uma oportunidade importante para: (i) denunciar o descumprimento da sentença internacional por parte do Estado brasileiro; (ii) criar uma mobilização no âmbito nacional sobre a manutenção e aprofundamento dos processos de violência denunciados no caso; (iii) pressionar o Estado brasileiro à se responsabilizar e avançar no cumprimento dos pontos resolutivos da sentença, nos termos demandados pela sociedade civil e pelos movimentos sociais; (iv) abordar a perspectiva dos movimentos sociais e da sociedade civil sobre os caminhos para o cumprimento da sentença internacional (ex. de que forma entendemos que a perícia independente deve ser implementada no Brasil? ex2. como deve ser o programa de atendimento à vítimas de violência sexual?)

Como foi o julgamento da Corte IDH?

Em 16 de fevereiro de 2017, a Corte IDH proferiu sentença no Caso Favela Nova Brasília, declarando a responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela violação do direito às garantias judiciais de independência e imparcialidade da investigação, devida diligência e prazo razoável, do direito à proteção  judicial, e do direito à integridade pessoal de familiares das pessoas assassinadas e vítimas de tortura sexual de Estado. 

O caso discute fatos e omissões do Estado ocorridos após dezembro de 1998, quando o Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte IDH. Os fatos anteriores, reconhecidos em diversos momentos do processo pelo Estado, são mobilizados como parte do contexto e dos antecedentes para melhor compreensão do caso. 

O que determinou a Corte IDH na sentença?

Entre outros pontos resolutivos: a) medidas de reparação para as vítimas e familiares; b) reabertura de procedimentos policiais e judiciais para investigação, processamento e punição dos responsáveis pelas violações de direitos, nos termos das normas internacionais de direitos humanos; c) acolhimento e tratamento psicológico e psiquiátrico das vítimas; d) ato público de reconhecimento de responsabilidade e placas comemorativas; e) adoção de políticas públicas que garantam a não repetição de violências de Estado, com ênfase na redução da letalidade policial; f) adoção de mecanismos normativos que garantam investigações sérias, eficazes e independentes em casos de violência policial, com destaque para a autonomia os órgãos de perícia técnica; g) adoção de medidas que viabilizem a efetiva participação de vítimas e familiares do processo de investigação de crimes consumados pelo Estado. (Acessar a sentença completa: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_333_por.pdf

O que é e quais as atuações da Corte interamericana de Direitos Humanos?

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um órgão judicial autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) e tem como objetivo principal promover e proteger os direitos humanos na região das Américas através da interpretação e aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos. Entre outras funções, ela atua julgando casos de violações de direitos humanos apresentados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos  e Estados membros da OEA. Após emitir as sentenças, há um procedimento de monitoramento por meio de relatório escritos e audiências públicas e privadas. 

Determinações que a Corte IDH fez ao Estado brasileiro que precisam ser reforçadas neste momento:

1)    continuar com a investigação sobre os fatos relacionados às mortes ocorridas na incursão de 1994, identificar, processar e, se for o caso, punir os responsáveis, e iniciar ou reativar uma investigação eficaz a respeito das mortes ocorridas na incursão de 1995 (ponto resolutivo décimo da Sentença);

2)    investigar os fatos de violência sexual (ponto resolutivo décimo primeiro da Sentença);

3)    oferecer tratamento psicológico e psiquiátrico às vítimas (ponto resolutivo décimo segundo da Sentença);

4)    publicar anualmente um relatório oficial com dados relativos às mortes ocasionadas durante operações da polícia em todos os estados do país (décimo quinto ponto resolutivo da Sentença);

5)    estabelecer os mecanismos normativos necessários para que, na hipótese de supostas mortes, tortura ou violência sexual decorrentes de intervenção policial, em que prima facie policiais apareçam como possíveis acusados, desde a notitia criminis se delegue a investigação a um órgão independente e diferente da força pública envolvida no incidente, como uma autoridade judicial ou o Ministério Público, assistido por pessoal policial, técnico criminalístico e administrativo alheio ao órgão de segurança a que pertença o possível acusado, ou acusados (décimo sexto ponto resolutivo da Sentença);

6)    adotar as medidas necessárias para que o Estado do Rio de Janeiro estabeleça metas e políticas de redução da letalidade e da violência policial (décimo sétimo ponto resolutivo da Sentença);

7)    adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias para permitir às vítimas de delitos ou a seus familiares participar de maneira formal e efetiva da investigação de delitos conduzida pela polícia ou pelo Ministério Público (décimo nono ponto resolutivo da Sentença), e

8)    adotar as medidas necessárias para uniformizar a expressão “lesão corporal ou homicídio decorrente de intervenção policial” nos relatórios e investigações da polícia ou do Ministério Público em casos de mortes ou lesões provocadas por ação policial (vigésimo ponto resolutivo da Sentença).