Maria Rita Villela
é antropóloga, pesquisadora do Programa de Meio Ambiente e Desenvolvimento do ISER.
Um ano após a divulgação da pesquisa “O que as lideranças brasileiras pensam sobre mudanças climáticas e o engajamento do Brasil”, realizada pelo ISER com apoio da Embaixada Britânica, seus resultados foram apresentados aos colaboradores da instituição e convidados. O objetivo da reunião foi o de iniciar um espaço de reflexão sobre qual seria a posição do ISER em relação a esse tema tão atual e de crescente importância em todos os setores da sociedade.
Uma primeira constatação a respeito dos resultados da pesquisa, evidenciada pelos comentários do pesquisador francês Philippe Lena, do Institut de recherche pour le développment, foi a de que, no último ano, o tema das mudanças climáticas passou por transformações de enorme relevância. De modo que a realização de uma segunda série da pesquisa, em 2010, seria de fundamental importância para a incorporação de novas frentes de debate. Dessa forma, tal qual sugerido por Lena, seria possível empreender investigações a respeito das maneiras por meio das quais outras questões vêm penetrando o campo das mudanças climáticas, ao mesmo tempo que revelando diferentes posicionamentos dos setores da sociedade em relação a esse dilema.
Hoje se percebe claramente o fato de que a questão das mudanças climáticas ganhou espaço considerável na mídia, nas discussões formais e informais, institucionais ou não, nas mesas de negociação, no Governo, nacionalmente e internacionalmente, e até mesmo no espaço religioso. Nesse sentido, pode-se afirmar que o tema das mudanças climáticas se configura atualmente como prioridade nas agendas de atores sociais que nem sempre destinaram tanta atenção à questão.
E, apesar de as informações relativas à temática ainda circularem por espaços restritos, o interesse e, até certo ponto, o engajamento da sociedade civil em torno da questão são crescentes, embora ainda não tão amplos e abrangentes como se poderia desejar. Entretanto, com o empreendimento de tantas campanhas referentes ao tema – como a TicTacTicTac e a 350.org, por exemplo – parece possível crer que se está diante apenas de uma questão de tempo para que maior parte da sociedade se debruce sobre as questões climáticas e todas suas implicações à vida humana no planeta.
A despeito da decepção em relação à CoP-13 (Conferência das Partes) de 2007 constatada pela pesquisa, hoje grande parte das atenções estão voltadas voltados para a CoP-15, que acontecerá em dezembro próximo, em Copenhague. Há grandes expectativas em relação à presença de Barack Obama e à manifestação de um diferente posicionamento estratégico por parte da China, que se prepara para tornar-se potência mundial e provavelmente se colocará como líder dos países em desenvolvimento, além por fim, das expectativas em relação à posição do governo brasileiro no que se refere aos assuntos em debate.
De fato, a análise da conjuntura atual revela a dificuldade de se apurar o posicionamento que o nosso governo levará para a Conferência. Há quem diga, com base nas assimetrias dos diversos órgãos do Governo e do peso da posição do presidente na tomada de decisão, que a postura do Brasil na Conferência estará em grande medida submetida ao humores de Lula. Torçamos para que ele esteja bem assessorado.
As notícias sobre mudanças climáticas ganham cada vez mais espaço e qualidade na mídia impressa, televisiva e virtual. Essas, que há um ou dois anos tinham cunho predominantemente alarmista, hoje vêm adquirindo caráter mais analítico, educativo e propositivo, apresentando uma maior quantidade de nuances em relação às complexidades do tema.
Por sua vez, algumas ONGs se apropriam do tema com mais qualificação e firmam suas posições. O Greenpeace segue apresentando uma postura mais alarmista, mas já inclui também um posicionamento mais moderado em relação ao papel do mercado no enfrentamento das questões climáticas, como ficou evidente no recente e excelente debate promovido pelo Ibase, no lançamento do número 43 da Revista Democracia Viva. O relatório sobre o gado ilegal na Amazônia, que incluiu frigoríficos financiados pelo próprio governo através do BNDES, teve um impacto importantíssimo na cadeia de distribuição dos supermercados. Outras iniciativas como as moratórias da soja e do mogno de iniciativa de organizações da sociedade civil também tem resultado em transformações na cadeia produtiva e forçam essas indústrias a se adequarem às normas ambientais.
A Fase e o Ibase também apresentam posturas bastante interessantes em relação ao tema. A primeira parece resistente à participação do mercado nas soluções climáticas apostando que a revolução deve partir das bases sociais. Já a segunda, por sua vez, aparentemente procura identificar os desafios da manutenção e promoção da democracia diante de cenários que possivelmente restringirão, ou pelo menos mudarão drasticamente a capacidade de escolhas de consumo, de modos de produção e de vida.
As empresas, sempre motivadas e orientadas pelo mercado, também procuram investir mais na criação de alternativas do mercado de carbono. Há também novas empresas no Brasil e no mundo que começam a se preocupar com as questões climáticas desde seu berço.
Em um contexto como esse, se antes o termo novo era “mudanças climáticas”, hoje a novidade semântica fica por conta da “transição para sociedade de baixo carbono”, que, diferentemente do termo antigo, conota soluções e não somente problemas, como desastres, aumento da temperatura, eventos extremos, etc.
Passo ainda pequeno em relação ao universo de desafios que se impõem, mas já indício de uma grande evolução, o Brasil conta hoje com um Plano Nacional de Mudança do Clima. Há um ano, a inexistência de um plano como esse era frequentemente invocada como a principal justificativa para a resistência dos atores da sociedade civil, em especial dos empresários, em enfrentar essa agenda. Não que o Plano seja suficiente, – muito pelo contrário, ele precisa ser aprimorado e mais amplamente discutido para um maior enraizamento na sociedade -, mas agora que foi lançado, cabe ao público engajar-se nesse debate.
Hoje, entende-se melhor o fato de que as mudanças climáticas não constituem um tema meramente ambiental. A sociedade começa a compreender que o tema propõe uma maneira nova de se pensar o tão sonhado desenvolvimento. É bem possível que a maneira pela qual se vem até hoje abrindo caminho para esse desenvolvimento seja realmente “ecocida”, isto é, implique a destruição do nosso planeta-lar. Nesse sentido, a reflexão sobre as mudanças climáticas nos convida a problematizar nosso estar no mundo.
As mudanças climáticas concernem escolhas que fazemos diariamente sobre o que comemos, o que vestimos, o que temos por sonhos de consumo e de vida. Dessa forma, são um potencial objeto de reflexão de todos os cidadãos do mundo (há assunto mais universal do que falar do tempo?), seja na área rural ou urbana, no mundo desenvolvido ou em desenvolvimento, desde os níveis locais até a política-econômica, pois todos, desde o âmbito pessoal ao internacional, podemos escolher sermos agentes de mudança potenciais.
Estamos longe de consensos em relação à temática do clima. Continuamos sem uma linha clara sobre os caminhos a seguir – as melhores alternativas econômicas, sociais, tecnológicas e ambientais estão mais do que nunca dispersas e difusas, os posicionamentos dos atores está cada vez mais firmado, por vezes dificultando a colaboração e a os indivíduos não se deram conta no seu papel nessa história – mas, enquanto o tema estiver sendo debatido, amadurecendo nas mentes e nos corações da sociedade, tenhamos esperança.