Itamar Silva
é jornalista e uma das lideranças comunitárias do morro Santa Marta, em Botafogo, um dos coordenadores do Ibase.
Assunto: prisão do Fiel na madrugada do dia 21 de maio.
Estava viajando e soube do acontecimento que resultou na prisão do Fiel e de outras pessoas do Santa Marta, a partir do acontecimento na birosca do Zé Baixinho.
É claro que todo fato/acontecimento tem sempre várias versões: a do Fiel, a da polícia, a daqueles que não gostam do Fiel e daqueles que acham que ele está lutando pela liberdade de expressão de todos.
Apesar de estar posicionado entre aqueles que acham legítima a luta do Fiel – podemos discutir os meios e forma – quero chamar a atenção para outros aspectos:
Nós temos que entender que a política de UPP nas favelas é uma iniciativa da secretaria de segurança do Estado que vai além do combate ao NARCOTRAFICO. Está cada vez mais claro que o objetivo é o controle territorial das favelas e a imposição de um padrão comportamental definido como bom e ideal pela polícia. Logo, se os moradores se comportarem “direitinho” segundo as normas da polícia, eles terão acesso aos benefícios (políticas públicas) oferecidos pelo Estado e implementados a partir da UPP e, talvez, possam realizar festas dentro dos limites pré-definidos pela polícia.
Temos que levar em conta também que a imprensa nunca foi a favor de favelado. Durante anos a imprensa insinuou, e às vezes, afirmou que os moradores de favela davam cobertura aos bandidos, logo, eram coniventes. Agora, na era das UPPs, a imprensa começa a dizer que os moradores são os grandes aliados da polícia, denunciando os bandidos pelo disque denúncia. No caso do Fiel, o Globo cita na sua matéria (de 25.05): “…conforme a nota, da maioria das denúncias de moradores do Morro Dona Marta feitas naquela madrugada, por telefone, à capitão Pricilla Azezevedo, comandante da UPP” – Na ausência do tráfico, o Fiel passou a ser o inimigo público número um da polícia e, segundo a nota, também dos moradores do Santa Marta.
Aí está o perigo: todo aquele que não estiver satisfeito com a atuação da polícia será colocado no outro lado e estará vulnerável a receber tratamento violento da polícia e terá o apoio, segundo o que insinua a matéria, dos moradores. Não é novidade para nenhum morador do Santa Marta que policiais se comportem de forma inadequada dentro da favela: deboche, tapa na cara, xingamento esse sempre foi o padrão de comportamento. No entanto, a UPP falava de uma nova polícia, baseada no respeito às leis e aos direitos humanos. Então, é esse padrão que devemos cobrar. E o lançamento da Cartilha popular do Santa Marta – Abordagem Policial – foi uma iniciativa que vai nesta direção: educar policiais e moradores para o exercício da cidadania plena. No entanto, este fato vem contribuindo para fragilizar o Fiel diante da polícia do Santa Marta.
Então, neste momento não podemos deixar que a lógica do “dividir para reinar” tome conta do Santa Marta. Outras manifestações festivas estão sofrendo com os limites impostos pela polícia. É necessário que nós moradores, sentemos juntos para discutir e encontrar uma estratégia para a defesa dos nossos direitos e a manutenção do Santa Marta como um lugar alegre e de várias e diversas manifestações culturais. É evidente que não queremos o enfrentamento físico com a polícia: sabemos por experiências vividas que tapa de polícia ninguém tira.
O meu apelo a todos aqueles que moram e gostam do Santa Marta é que sentemos e façamos um diálogo entre nós e que não caiamos na tentação de repetir, sem reflexão, o que a polícia ou a imprensa diz, o papel deles é outro. SE ESTIVERMOS JUNTOS, COM CERTEZA, ENCONTRAREMOS O CAMINHO DO DIREITO E DA LIBERDADE.