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Aprendizados da floresta

Maria Rita Villela

é antropóloga e pesquisadora do ISER.

Aprendizado da florestaParafraseando Thoreau, viver na floresta realmente faz-nos viver mais livremente, extraindo o tutano da vida. Na floresta, leis naturais se sobrepõem às leis dos homens, os homens não têm controle, a não ser quando se deixam controlar pela natureza.

A experiência proporcionada pelos guerreiros do projeto Eye on the Rainforest, sediado em Las Casas de La Selva, foi incomparável. Na região de Patillas, a uma hora de San Juan, capital de Porto Rico, floresce, cresce, renasce uma floresta por séculos sacrificada pelo café e por uma cultura de devastação e de desvalorização da floresta. O projeto sobrevive graças a sérios e apaixonados profissionais que estudam e vivenciam a floresta em união e provam ser possível ali se viver e delas se beneficiar, sem eliminá-las.

Coordenadora do projeto, Thrity Vakil, mais conhecida como 3T, tem um currículo amplo e variado. Formada em artes, viveu por três anos em um barco que percorre o mundo pesquisando o estado dos corais, o “Heraclitus”, e há 10 mora em Las Casas. Aficionada por árvores, das quais é profunda conhecedora, seu projeto tem sido buscar conhecimento sobre a produção de madeira comercial na floresta de forma integrada, sustentável, que não danifique ou diminua outras espécies da floresta. Nas horas de inspiração, pinta, em uma técnica chamada atenção intencional, imagens que remetem a sensações de quem desfruta a floresta: as várias camadas, as relações e interdependências entre elas, e a beleza da ordem e o caos que se misturam.

Nos dois primeiros dias de expedição, aprendi de onde vem, de fato, o termo tree-hugger, ou abraçador de árvore. Passamos horas a fio aprendendo a identificar a espécie de árvore plantada com fins comerciais, a mahoe. É uma árvore que cresce extremamente rápido e ao que tudo indica não afeta a biodiversidade ao seu redor. Sua madeira é considerada uma das mais nobres do mundo, num tom que varia entre o avermelhado e o azul. Nossa meta era contar quantas árvores havia em determinadas seções da propriedade e marcá-las com uma fita – daí o abraço que tínhamos que dar no tronco de cada uma delas.

Os próximos dois dias foram dedicados à contagem e identificação de lagartos e sapos, sob a supervisão de um herpitólogo que também mora e trabalha em Las Casas. Norman Greenhawk não nega sua paixão pelos répteis e anfíbios – e quanto mais venenosos melhor, razão pela qual pensa em trocar a inofensiva ilha do Caribe pelo Brasil. No primeiro dia procedemos a um método que nos permitia encontrar aquelas espécies que vivem entre as folhagens no chão. Já no segundo dia, nosso foco foi voltado para as espécies de lagartos que preferem as árvores. Para mim, essa foi a melhor parte, pois pudemos observar disputas um tanto humanas como aquelas por territórios ou por acasalamento.

Os outros dias de trabalho foram dedicados ao estudo exploratório de espécies de cogumelo presentes na propriedade liderado pela Patrícia Boyko. Este estudo no futuro servirá como base para identificar a evolução das espécies de fungo por altitude, temperatura e clima, evidentemente apontando tendências decorrentes das mudanças climáticas, já que os cogumelos são ultra-sensíveis a qualquer mudança ambiental.

Fora do horário de trabalho, nos divertimos muito. Num dos dias tivemos a oportunidade de conhecer de perto o lazer e a cultura porto-riquenha: um fim de tarde de domingo no bairro Guavate. É para lá que o povo vai se divertir e dançar, –a dança e a música, aliás, estão por toda parte –, desfilar seus modelitos de roupa, sobrancelhas desenhadíssimas (inclusive as de todos os homens) e finalmente, mas não menos importante, seus carros imensos e barulhentos na disputa de quem possui o melhor sistema de som. É essa a mistura porto-riquenha.

Uma nota à parte para a situação político-econômica-social do país de que poucos têm conhecimento. Porto Rico é considerado um “estado livre e associado” (commonwealth) dos Estados Unidos. Porto Rico, em posição de extrema importância estratégica do Caribe, foi cedido aos Estados Unidos pela Espanha após a guerra hispano-americana em 1898. Entretanto, os porto-riquenhos só passaram a ser considerados americanos (com cidadania), em 1917 quando o governo americano recrutou soldados para a guerra. A partir de então e sobretudo durante a II Guerra Mundial, quando os postos de trabalho no território americano começaram a abundar por conta da ida de muitos cidadãos à frente de batalha, muitos porto-riquenhos debandaram para os Estados Unidos em busca de oportunidades de trabalho resultando na realidade de hoje: 4 milhões de porto-riquenhos na ilha e 5 milhões em Nova Iorque, os chamados nuyoricans, principalmente nos enclaves Bronx, Queens e Brooklyn.

Embora tenha havido um referendo em 1998 para definição da situação política do país – sobre se se tornaria o 51o estado americano ou se teria sua independência – os porto-riquenhos optaram por ficar nesse limbo de estado livre e associado. Todos os nativos da ilha que conheci são contra a relação de “colonização” com os Estados Unidos. Minha impressão é de que ainda veremos muito reboliço por aquele lado.