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Código Florestal: O que queremos para nossas florestas?

Maria Rita Villela

 é antropóloga, pesquisadora do Programa de Meio Ambiente e Desenvolvimento do ISER.

O Código Florestal brasileiro remonta 1934. Na época, foi um dos instrumentos legais mais avançados do mundo no que diz respeito à proteção ambiental. O atual que está em revisão foi aprovado em 1965, atualizado em 1975, e por ser desrespeitado acintosamente, foi complementado pela criação da lei de crimes ambientais em 1998.

Primeiramente, é importante destacar que o Código Florestal existe para proteger as florestas, considerando que as florestas são importantes para o Brasil.

Em segundo lugar, deve-se reconhecer o valor dos trâmites em curso entre a Câmara de Deputados e o Senado. Uma versão da revisão do Código bastante questionada foi aprovada na Câmara, seguiu para o Senado, onde foi revisada, com base nas consultas realizadas a diversos atores interessados, embora ainda contenha incongruências como o princípio da proteção das florestas e contradições entre seus próprios artigos.

Agora o Código revisado pelo Senado voltará para a Câmara, proporcionando mais tempo para a sociedade entender melhor o que vem sendo discutido e participar dessa tomada de decisão.

A proposta de revisão da chamada bancada ruralista, aprovada pela Câmara e parcialmente acatada pelo Senado, propôs: a suspensão de multas para desmatamento e ocupação das APPs, o fim das APPs,a diminuição das APPs pelos Estados, o fim da Reserva Legal ou a suspensão das multas para seu desmatamento, a recomposição da Reserva Legal com espécies exóticas (lê-se aqui fortes interesses do setor de celulose), a troca de reservas desmatadas no cerrado por áreas florestais na Amazônia e redução da Reserva Legal na Amazônia, e o ano 2000 como base (ver).

O principal argumento usado pelos defensores da bancada ruralista, sob o discurso da “modernização”, é que o Código Florestal atual não vem sendo cumprido. Há produção em áreas de preservação e devastação de áreas de reserva legal. Ora, isso não quer dizer que a lei tenha que se flexibilizar para arcar com as consequências da incapacidade do Estado e da sociedade de fiscalizar e garantir o respeito às suas decisões passadas.

Tampouco significa admitir que uma lei caduca se perpetue. Por isso, tanto o Ministério do Meio Ambiente (MMA) quanto os movimentos socioambientais têm uma série de sugestões para a revisão do Código Florestal, sendo as do primeiro mais moderadas que as do segundo.

As propostas dos movimentos socioambientais defendem estabelecer parâmetros para pagamentos por serviços ambientais, políticas que valorizem a floresta em pé, que acatem parcialmente alguns tipos de produção em APP prevendo recuperação de outras áreas mediante compensação por serviços ambientais, parâmetros mais precisos para a permissão para desmatamento na Amazônia, além de alongar o período de referência do código de 2008 para 2000. Essas propostas reforçam a importância do registro das propriedades, de suas APPs e áreas de Reserva Legal, sem o que o poder público não terá como fiscalizar o cumprimento das leis.

Não há nada definido, por enquanto, e temos pouco tempo – menos de uma semana – para participar. Precisamos elevar a discussão para além das polarizações entre ambientalistas, agricultores familiares, agronegócio e produtores agroflorestais, reconhecendo o valor desse Código, que contribuiu para que o Brasil fosse esse potencial ambiental que é hoje – cantado e declamado país afora, apesar dos pesares.

Gostaria de apresentar uma reflexão otimista sobre o que tenho visto nas redes sociais. Nas últimas semanas, vêm brotando no Facebook, Twitter, etc., discussões sobre o Código Florestal. Só não supera a discussão em voga sobre Belo Monte. Sobre Belo Monte há um sem número de manifestações, inclusive um vídeo divulgado por artistas globais (cujos interesses não estão muito claramente definidos, nem tampouco quanto a quem financiou), que foi contestado mais recentemente por um grupo de estudantes (supostamente) da USP, e outro (também supostamente) da Unicamp. Tem pelo menos outros dois vídeos muito bons sobre o tema, um que enfoca a questão indígena, outro que mostra os gargalos do processo de licenciamento. Na UNB houve um debate em torno do tema. Uma apresentação muito profícua da pesquisadora Andréa Khouri (assista aqui) aponta justamente as omissões das vozes que questionam, discordam ou têm mais a dizer nos processos de audiência pública, que são uma fase intermediária dos complexos processos de licenciamento ambiental com os quais tive a oportunidade de trabalhar no início da minha carreira profissional e deixei por espontânea vontade.

É evidente que o Código Florestal não é Belo Monte, constituem casos distintos, o primeiro estando em negociação e o segundo sendo um projeto já aprovado, mas ambas as discussões configuram como duas faces da mesma moeda. Ambas as problemáticas têm indicado que os movimentos sociais brasileiros estão adquirindo uma força decisiva ao terem êxito ao pleitearem mais discussão, ampla participação social nas decisões e maior impacto ao nível legal.

Dá satisfação em ver a sociedade mobilizada. Movimentos sociais articulados e desarticulados, pessoas que nunca sequer se manifestaram pelas causas ambientais estão debatendo esses temas controversos, buscando informação cada vez mais qualificada e mudando os rumos das discussões. É isso que propicia o debate. Esse debate deve ocorrer nos processos de licenciamento ambiental como um todo antes, não depois de iniciado o processo de licenciamento e de todas as suas derivações. Pois o que vemos hoje – que a profa. Khouri mostra bem na sua fala -é que os projetos já parecem aprovados antes de serem submetidos ao licenciamento, fazendo das audiências públicas apenas uma mis- en- scène, uma simulação da democracia.

O que estamos assistindo nesse amplo rebuliço nacional e internacional que se tornou Belo Monte e, em certa medida, a revisão do Código Florestal, tem um nome: democratização. As decisões sobre leis e os grandes empreendimentos têm de contar crescentemente com ampla, abrangente e irrestrita participação social.

Só não podemos perder de vista que enquanto o mundo tem se esforçado para aumentar sua cobertura vegetal, nós no Brasil estamos cogitando diminuí-la; tomemos cuidado para não cairmos na lógica de desenvolvimentismo a qualquer preço. Como ilustra Sergio Abranches, o Brasil tem sérias tendências de se desenvolver olhando o retrovisor, com referências no passado. Se optarmos pela lei que permite a diminuição das nossas matas, sem a escuta devida do que a população deseja (como mostra uma pesquisa da Datafolha sobre o Código Florestal que mostrou 80% da população contra a primeira versão da revisão) estaremos correndo retroativamente rumo aos anos 50 do século passado. Sinais do paradoxo em que vivemos: ontem o pais da Amazônia ganhou o prêmio Fóssil do Dia da rede Climate Action Network, que reúne 700 ONGs do mundo, durante a COP17 em Durban justamente em resposta aos trâmites pela flexibilização do Código Florestal.

Que vença o diálogo. Assim, teremos aumentadas as chances de os benefícios serem compartilhados por uma maior diversidade de espécies, inclusive a nossa.