Na Semana do Meio Ambiente, o ISER tem divulgado histórias de cuidado com a natureza em seus projetos. Nas redes sociais, o Fé no Clima buscou relatos de como iniciativas no país têm conciliado espiritualidade e proteção ao meio ambiente. Nesta matéria, mostramos o impacto provocado pela horta comunitária do Trabalho Social no Minha Casa Minha Vida, projeto da área de Justiça e Direitos, realizado com apoio da Caixa Econômica Federal
“Os moradores tinham plantações e jardins em suas casas. Essa mudança para os apartamentos é difícil pela perda desse espaço e a convivência muito próxima com vizinhos”, destaca Frederico Magalhães, assistente de campo no projeto da horta comunitária que foi inaugurada em fevereiro de 2021 no residencial Vivendas do Fonseca, em Niterói.
A horta é uma das ações do Trabalho Social realizado pelo ISER no condomínio Minha Casa, Minha Vida que abriga as famílias vítimas das chuvas fortes e deslizamentos que aconteceram no Morro do Bumba, em Niterói, no ano de 2010. “No caso do Vivendas foi muito marcante porque uma parcela significativa dos moradores é oriunda da tragédia”, reforça Frederico.
O geógrafo e professor Diego Riqueza também atuou na construção da horta do residencial Vivendas do Fonseca, e reconhece que ela se destaca entre todas as suas experiências. “Eu fiz questão de saber um pouco das histórias e como era o convívio entre os moradores […] São moradores em um contexto social e psicológico diferente, que precisa de um tratamento muito sentimental”, ressalta.

Juraci Coelho e Jorge Gil da Conceição, dois moradores do condomínio, já tinham intimidade com a criação e cultivo de hortas quando moravam no bairro de Pendotiba, em Niterói. “Nós estávamos tão felizes, com muita plantação dentro de casa. Veio aquela enchente, aquela chuva, né? Aí derrubou a barreira, nós perdemos a casa, a Defesa Civil foi lá e disse que nós tínhamos que sair de lá”, lamenta Juraci.
Foi nessa época que “Seu Jorge”, como costuma ser chamado, decidiu fazer a inscrição no programa Minha Casa, Minha Vida. Quando o resultado do sorteio foi revelado, o casal não hesitou. “O apartamentinho aqui saiu para nós e nós viemos para cá. Chamaram-nos e a gente veio. […] Agora estamos aqui, o apartamento é pequeno mas é bom para nós dois, está de bom tamanho”, afirma a moradora.
Preservação de hábitos de plantio e cultivo
Ela e o marido viram na horta uma oportunidade de retomar hábitos de infância. “Nós somos nascidos e criados na roça, longe da cidade. Eu sou de Santo Antônio de Pádua e morava no sítio do meu pai. Ele sempre colocava a gente para trabalhar na roça. Nós aprendemos a plantar tudo que é planta. A minha mãe sempre teve horta”, conta a moradora.
Mas o início da horta no residencial Vivendas do Fonseca não foi fácil. “No início alguns moradores estavam descrentes de que a horta poderia ser criada e não ser destruída”, lembra Frederico Magalhães. A ideia de reaproveitar um terreno baldio parecia desafiadora, já que, como o geógrafo Diego Riqueza comenta, “era um espaço obsoleto, muito grande e degradado, mas que está sendo transformado desde o início deste ano nas ações”.

Hoje, os frutos já podem ser colhidos, literalmente, em quantidade suficiente para abastecer as casas de muitos moradores. “Agora a taioba já está grande e dando folha. Eu trouxe gengibre do interior e falei para plantar. Tem muita hortelã aqui dentro, tem uma porção de temperos. Tem alecrim, tem manjericão, tem hortelã-pimenta. Ih, tem pimenta de todo jeito. A abóbora já está dando flor”, destaca Juraci Coelho.
Isso acontece sobretudo pelo envolvimento e compromisso de moradores como Juraci e Jorge. “Eles estão gostando do jeito que eu estou cuidando da horta. Então eu vou lá e planto, molho as plantas. Estou gostando porque a gente sempre gostou muito de plantar, já cuidava do jardim da casa, e eu estava muito parado. Onde a gente morava tinha muita planta”, conta Seu Jorge.
Meio de socialização e fortalecimento de relações
Assim, a horta não só gera alimentos, como cria vínculos e fortalece relações entre os moradores do condomínio. “Quando a gente envolveu as crianças, que plantaram as sementes, elas passaram a se sentir pertencentes. Isso melhorou o condomínio de uma forma geral. […] Já tem quatro e cinco canteiros da obra, tudo começou a brotar muito rápido. Já estão sendo colhidos couve, manjericão e hortaliças”, conta Frederico.
Dona Juraci, como é chamada pelos vizinhos, conta que o casal já criou uma relação cotidiana com as meninas e os meninos por causa da horta. “As crianças já vem aqui e perguntam: “tia, amanhã o tio vem, né?” Eles plantam mesmo todas as sementinhas das frutas que eles chupam lá, de laranja ou melancia. Eles vem aqui, batem na porta e perguntam “cadê o tio da horta? Eu vim trazer a semente, tá?”.
Ao envolver pessoas em torno de um objetivo comum, a horta comunitária transformou o residencial Vivendas do Fonseca para além do seu espaço físico. “O ganho principal não é só o fato de uma pessoa poder pegar uma banana ou laranja dessa árvore, mas também valorizar o seu trabalho e o espírito de coletividade e de respeito para com os moradores”, ressalta o geógrafo Diego Riqueza.
Frederico Magalhães esteve desde o início do projeto e pôde observar os seus principais efeitos: “a horta mostrou que é possível construir algo juntos, com um projeto coletivo que permanece. É um meio de relacionamento entre as pessoas e moradores do residencial, pode ser um sustento econômico”. Juraci Coelho reconhece a importância da ação: “eu achei que valeu a pena investir na horta”.
“Todas as pessoas que vêm, ficam felizes. A salsinha é tão cheirosa, tem um pé tão grande que deu. O Jorge foi lá, plantou tomate e hoje falou que está bonito demais, que nem murchou. Agora está dando bastante coisa de alho, de fruta, acerola, manga”, conta a moradora. “Se continuar assim, vai chegar uma época que vai ter muitos legumes e frutas, os pés estão bonitos e grandes”.
Sustentabilidade do projeto depende do compromisso coletivo
O fortalecimento comunitário é um dos objetivos do trabalho social realizado pelo ISER, e o cultivo da horta é um dos principais meios para alcançá-lo. “Com a continuidade e o crescimento de novas espécies, mudas e árvores frutíferas, a própria comunidade vai se beneficiar disso. […] A gente vai passar, mas as coisas vão ficar. O costume e a cultura da coletividade e ação vão dando continuidade ao trabalho”, afirma Diego Riqueza.
A horta exige cuidados frequentes, e por isso a sua perenidade depende do envolvimento dos moradores. “Não pode deixar sem molhar, sem nada não, senão a planta morre. Tem que ficar molhando. Eu molho as plantas só de manhã cedo, elas pegam sol o dia inteiro. Eu peguei o jeito e vou levando à frente”, enaltece Jorge Gil da Conceição.
Por Júlia Boardman