Evento ocorre em decorrência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635
“Esta Suprema Corte tem em suas mãos, por compromisso com a justiça e o Estado democrático de direito, a oportunidade histórica de dar passos efetivos e contundentes em direção a um novo futuro”. Essa foi a avaliação de Isabel Pereira, advogada e coordenadora da área de Justiça e Direitos do ISER, ao participar da audiência pública sobre letalidade do estado, realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira, 19 de abril.
A audiência teve início na sexta-feira, 16, dia também considerado histórico pela advogada, pelo fato de o STF receber e registrar as falas de movimentos de favelas e de familiares de vítimas de violência do Estado.
O evento virtual ocorreu no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, de relatoria do ministro Edson Fachin. O ISER é uma das organizações amicus curiae na referida arguição, ou seja, participa como figura auxiliar dos julgadores da matéria.

Falácia da guerra às drogas
Para o ISER, a política de “guerra às drogas” consiste numa falácia, pois mascara um cenário de violação massiva de direitos de uma parcela da população, incluindo a violação reiterada do direito à vida. “Não há guerra, há um verdadeiro extermínio da juventude negra favelada e periférica”, discursou a representante do Instituto.
Monitoramento das políticas de Estado
Na esfera federal, o ISER acompanha com preocupação as diferentes tentativas de ampliação da excludente de ilicitude, que acarretaria, em diversos casos, na não instauração de inquéritos para investigar possíveis abusos e excessos do uso da força em caso de mortes decorrentes da intervenção de agentes de segurança, destacou Isabel Pereira.
“Em âmbito estadual, algumas ações operadas pelo executivo dificultam o controle policial, tais como a extinção da secretaria de Segurança Pública, com a consequente criação da Secretaria de Estado da Polícia Civil e da Secretaria de Estado da Polícia Militar. Outra ação substancial foi a extinção da Corregedoria Geral Unificada, órgão com atribuição de supervisionar as ações das polícias estaduais”, criticou.
A representante do ISER também ressaltou que, em 24 de setembro de 2019, foi publicado o Decreto 46.775, assinado pelo então governador Wilson Witzel, que não contabilizaria as mortes decorrentes de intervenção policial para o sistema de metas da corporação.
“A publicação desse decreto ocorreu três dias após a morte da menina Ágatha Felix, assassinada por agentes da Polícia Militar no Complexo do Alemão. No entanto, a decisão de 18 de agosto de 2020 deste Tribunal, no âmbito da ADPF 635, acertadamente suspendeu a eficácia do mencionado decreto”, relatou.
Isabel também chamou atenção para o Plano de Segurança Pública, lançado no ano passado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, que não contou com a participação da sociedade civil em sua elaboração e não possui menção à medidas de redução da letalidade policial.
“Essas ações, que se articulam entre si, implicam o recrudescimento da já insustentável situação de letalidade violenta no Estado”, destacou.
Segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio, em 2019, o número de pessoas vítimas da letalidade violenta foi de 5.980 no Rio de Janeiro. Dessas, 1814 pessoas morreram devido à intervenção de agentes do Estado, o que representa cerca de 30% do total. É o número mais alto em 20 anos. Considerando o perfil das vítimas, a quase totalidade é de jovens negros.
Violência policial e Covid-19
A intervenção do ISER somou-se à manifestação de movimentos de favela participantes da audiência, denunciando que as operações policiais também interrompem ações de ajuda humanitária, como a distribuição de cestas básicas e impedem que moradores consigam buscar assistência médica, quando em situação grave de saúde, no contexto da pandemia de Covid-19.
“É também necessário salientar o crescente impacto na saúde física e mental de crianças e adolescentes, ante ao cenário aterrador das violações decorrentes da atuação policial, que ou mata futuros ou produz futuros marcados pela expectativa de sofrer graves violações de direitos humanos”, disse a advogada.
Confira a íntegra da manifestação do ISER na audiência
Revitimização
A manifestação do ISER chamou atenção para os casos de recorrente violência contra algumas localidades do Rio, como as chacinas na favela Nova Brasília, em 1994 e 1995, e outra em 2020, também no Complexo do Alemão.
“Esse cenário de revitimização não é exclusivo das vítimas do Caso Favela Nova Brasília, pelo contrário, infelizmente casos de famílias que perdem mais de um membro para a violência de Estado são assustadoramente frequentes”, afirmou.
Nesse sentido, o Napave, equipe que trabalha em parceria com o ISER e que presta atendimento psicossocial à pessoas afetadas pela violência de Estado, relata que, em 2020, pacientes que já haviam encerrado seus atendimentos voltaram a procurar o projeto por terem sido, novamente, vítimas diretas da violência, tendo familiares mortos ou torturados pelo braço armado do Estado.
Histórico
Desde sua fundação, em 1970, o ISER atua no campo dos Direitos Humanos. Na agenda de segurança pública, foi uma das primeiras organizações dessa agenda, no Rio de Janeiro, na década de 90.
O ISER possui atuação pautada no enfrentamento à violência de Estado, reconhecendo o histórico de violências que molda a história do nosso país, e na manutenção de sistemáticas violações de direitos. Além de atuar como amicus curiae na ADPF 635, é organização co-peticionária do Caso Favela Nova Brasília, no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, em conjunto com Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL).