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Fé no Clima 2016: uma mensagem de esperança para o meio ambiente

Segunda edição da iniciativa inter-religiosa reuniu representantes de diversos credos em tarde de debates sobre mudanças climáticas e atividade espirituais.

Reunidos a convite da iniciativa Fé no Clima, representantes de diversas comunidades  religiosas compartilharam percepções e aspirações em torno do tema mudanças climáticas em evento realizado pelo ISER e o GIP – Gestão de Interesse Público, em parceria com Koinonia, o MIR e o Ibase.

Maria Rita Vilela, professora da PUC-Rio e fundadora da iniciativa Fé no Clima pelo ISER fez um relato emocionado da importância desta comunidade e de uma visão comum das religiões sobre a fé em um mundo melhor.

O texto de sua fala está abaixo.

Boa tarde deputado Carlos Minc e Pedro de Cristo, boa tarde a todas e todos. É com muita alegria, honra e gratidão que participo dessa celebração reflexiva. Há pouco mais de um ano, em 25 de agosto de 2015, plantávamos no primeiro Encontro Internacional a semente do Fé no Clima que reuniu 12 lideranças de diferentes comunidades religiosas para compartilharem visões e práticas sagradas em torno das mudanças climáticas. Mas claro que sementes só frutificam – e olha como essa frutificou – se a terra é fértil.

O ISER, desde a sua fundação em 1970, é uma organização voltada para a reflexão sobre o papel das religiões na sociedade tendo profundo comprometimento com democracia e direitos humanos. Em 1992 o ISER foi ator chave na organização da Vigília Interreligiosa da ECO92 e neste mesmo ano lançou o primeiro estudo da série histórica “O que o brasileiro pensa sobre meio ambiente”, coordenado pela Samyra Crespo. Essa pesquisa se repete com novas roupagens em 95, 97, 2002, 2005 e, em 2008, o ISER se torna a primeira instituição de pesquisa no Brasil a publicar em parceria com a Embaixada Britânica a pesquisa de opinião chamada “O que as lideranças brasileiras pensam sobre mudanças climáticas e o engajamento do Brasil”. Em 2009, muito inspirados na gestão agregadora do Pedro Strozenberg organizamos o primeiro Encontro de Lideranças Religiosas sobre Mudanças Climáticas, aqui neste mesmo salão, contando com a participação de aproximadamente 40 lideranças de diversas tradições religiosas de todo o Brasil. Tem um vídeo de 10 minutos sobre essa experiência disponível no youtube (que você pode acessar aqui).

Passaram-se alguns anos e muitas águas até que em 2015, fruto de um encontro de almas institucionais, para quem acredita em almas, ou de uma confluência política favorável, o ISER e o GIP formam essa parceria que resulta nessa filha, a iniciativa Fé no Clima.

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Venho hoje falar a vocês como co-mãe que me sinto dessa iniciativa. Somos algumas mães, Denise, Alice, Graça e eu sendo algumas das primeiras, agora tem a Nina, alguns pais como Pedro, Clemir e João, que contamos com a trajetória fecunda do ISER, com o casamento perfeito com o GIP, essa organização engajada na multiplicação de causas boas, personificada nessa parceira-irmã que é a Alice, e com a experiência e sabedoria da nossa mestre Denise que é grandemente responsável por sistematizar a visão da iniciativa – reconciliação, cuidado e justiça socioambiental. Essa visão foi por sua vez inspirada pela confluência com a organização Greenfaith, liderada pelo Reverendo Fletcher Harper e alavancada pela parceria com o Movimento Inter-Religioso do Rio de Janeiro. Ou seja, foram muitos encontros felizes e sinérgicos que deram origem a isso aqui.

Olhando para trás, se em 2008 a Embaixada Britânica não incluiu lideranças religiosas no rol de entrevistados da pesquisa, tenho certeza que se hoje fossemos fazer um novo levantamento, as lideranças religiosas não poderiam ficar de fora. Contestar estruturas sociais, políticas e econômicas estabelecidas requer muita força, e por isso sozinho o indivíduo não é capaz de fazer quase nada. Sabemos que as religiões têm essa capacidade de reunir pessoas. O coletivo, a agregação, a agrégora, o diálogo, a sanga, a interlocução, a confraternização, a missa,  o culto, a celebração, o ritual, o símbolo, as diferentes interpretações, a comensalidade, o embate de diferentes visões precisa acontecer para que a haja transformação social.

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Apesar das enormes diferenças de linguagem entre os campos ambiental e religioso, notamos com a iniciativa significativas sinergias entre os movimentos religiosos e ambientalistas. Uma delas e talvez a mais importante seja a fé e a esperança em dias melhores. Em um mundo melhor. Mais justo. Mais harmônico. Mais equânime. Mais sereno. De natureza mais exuberante. E a força da luta pela causa justa tão presente tanto na busca religiosa quanto no movimento ambiental nunca termina. São esforços imbatíveis. Ambos campos têm como fonte um poço infinito de renovação e reinvenção.

Ambos os movimentos querem um mundo onde poder signifique potência coletiva, voltada para o bem comum. Onde os mais experientes sejam tão sábios quanto pacientes e flexíveis para acomodar a mudança necessária, e os mais novos, tão curiosos e energéticos quanto resilientes para viver em estruturas já muito caducas para a sua geração.

As mudanças são lentas e graduais, mas olhe o que conseguimos enquanto coletivo global alcançar no último ano, só naquilo que tange esta iniciativa diretamente. Em maio de 2015 o Papa Francisco lançou a Encíclica Laudato Sí, em junho o Greenfaith fez uma caminhada interreligiosa até o Vaticano, em agosto tivemos a fundação do Fé no Clima, em setembro a Aldeia Sagrada sobre mudanças climáticas, em dezembro a COP21, que ouso dizer ser o maior marco da política ambiental internacional dos últimos pelo menos 20 anos, apesar das críticas e insatisfações de quem é do ramo (e esta não acomodação é positiva) e agora estamos vivendo a COP22 que indica a confirmação e consolidação de tantos acordos nacionais que foram desenhados e negociados ao longo do ano.

Costumo dizer para meus alunos que eles estão vivendo um momento de virada. Eles nasceram nos anos 2000 e já são parte dessa economia de baixo carbono. Esse é o mundo deles, é o nosso mundo. Essa transição é inexorável e veio para ficar. Quão ética, justa e eficaz ela será depende de todos nós e aqui as religiões têm um papel fundamental de oferecer narrativas que dêem conta desse momento, na língua do povo.

Contudo, desde a sua fundação é inegável que a iniciativa parta de um paradoxo. Se por um lado desejamos um estado laico, por outro esta iniciativa vê potência justamente na aproximação entre política ambiental e religião. A política ambiental, que é formada em grande parte pela ciência, e a religião, têm o papel de juntas formarem visões de mundo complementares, sempre buscando ampliar debates, reflexões, interpretações e aprofundar o sentido da experiência humana na terra.

Vivemos muitos desafios. Ao mesmo tempo em que há beleza na celebração da diversidade, esses mesmos encontros evidenciam fronteiras, potenciais conflitos, espaços de difícil negociação que às vezes parecem barreiras, obstáculos, que requerem tempo de amadurecimento para a dissolução de nós.

Todo dia em sala de aula me deparo com intolerância, mas também com flexibilização de verdades absolutas, com esclarecimento sobre as visões de mundo diferentes. Com a dissolução, ainda que mínima, de determinados padrões de preconceito. Acredito que as mudanças estejam acontecendo. A juventude está ligada e tem sede por mudança. Ela quer ouvir os mais experientes e também precisa ser ouvida.

E isso me faz lembrar que talvez a recordação mais forte que eu carregue do Encontro Internacional Fé no Clima no ano passado não venha de nenhuma fala específica, embora todas elas tenham  me tocado profundamente. Mas de ter percebido, enquanto espectadora, a escuta. A escuta atenta, generosa, acolhedora, de todos os participantes para com todos os demais. Mesmo diante da maior diversidade de religiões que jamais presenciei por metro quadrado não houve conflito, não houve agressão. Houve olhares profundos, compassivos, gestos sutis. Naquele dia nos reunimos para celebrar a diversidade mas também ovacionar a confluência de sentimentos silenciosos de uma grande e plural comunidade global de crenças e fés, todas evocando juntas, de maneira saudável, harmônica, embora nem sempre uníssona, as tantas formas que temos de cuidar da Nossa Casa Comum; da Mãe Terra; da Mamapacha; da Criação; do Jardim; da Floresta; dos Orixás; do Cuxipá; de Gaia; da nossa existência…

Maria Rita Vilela