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Homenagem ao Professor Pierre Sanchis (16/12/1928 – 7/5/218), por Regina Novaes

Pierre Sanchis: razão e sensibilidade

Fui encarregada por Pedro Strozemberg, Christina Vital e Clemir Fernandes – atuais iserianos de carteirinha – para escrever uma nota que pudesse expressar nosso pesar pela partida de Pierre Sanchis.Confesso que fiquei com medo de não dar conta do recado. Em primeiro lugar porque, entre outras homenagens, circulou entre nós uma bela e bem completa nota escrita por Léa Perez. Em segundo lugar, porque sei que muitas outras pessoas da geração dos veteranos poderiam escrever sobre a importância de Pierre para o ISER.

Com estas ressalvas, buscando não ser repetitiva e sabendo que não vou esgotar todos os aspectos de nossa convivência institucional, gostaria de lembrar (e agradecer) toda a contribuição que Pierre deu ao ISER não só como presidente e membro da diretoria por muitas gestões, mas também como coordenador do “Grupo de Estudos do Catolicismo”, como membro do Comitê Editorial da Revista Religião e Sociedade e, ainda, como coordenador de outras pesquisas que levamos adiante nos anos de 1990 e nos inícios dos anos 2000.

Em todas essas ocasiões – e nas mais diversas situações (algumas bem tensas) – sua presença foi agregadora e, ao mesmo tempo, questionadora. Em uma boa mistura entre razão e sensibilidade, enfrentava horas e horas de reunião sobre aquele presente e o futuro do ISER. Suas intervenções não economizavam reflexão, localizava impasses e oferecia saídas para que o ISER pudesse se (re)construir “na encruzilhada” entre sua vocação acadêmica e suas várias causas militantes.

Contudo, a “causa” de Pierre não estava circunscrita a um grupo ou movimento específico. Seu objetivo era “aproximar com lucidez o fervilhar de consciências, desejos, emoções e convicções que, embora se manifestem explicitamente limitados, dizem respeito à totalidade cultural e política do Brasil contemporâneo”. Sem dúvida, sua “causa” maior era desvendar lógicas e combinações que ajudassem a compreender o Brasil.As transformações da “cultura católica brasileira”, como ele gostava de dizer, lhe ofereceram um caminho promissor para compreender as consequências de “nosso tradicional habitusflexibilizador” mesclado pelas “sucessivas investidas das racionalidades modernas”.

Para tanto, Pierre lançava mão de suas próprias vivências no interior da Igreja Católica e em seus estudos de teologia e filosofia. Mas ele soube também combinar as contribuições da sociologia (e os dados quantitativos) com a antropologia (com suas abordagens qualitativas). Além disto, fez bom uso comparativo de seu conhecimento do ethos de outros países do velho mundo, particularmente da “terrinha” portuguesa identificando suas heranças neste pedaço do novo mundo. E foi buscando compreender o Brasil que Pierre encontrou o ISER.

Nessa “organização sem fins lucrativos” – que já no Rio de Janeiro, foi cada vez mais secaracterizando pela valorizaçãoda diversidade – Pierre parece ter encontrado um terreno fértil para motivar pesquisadores e orquestrar reflexões que resultaram em um enorme material empírico propício para a elaboração conceitos e imagens“boas para pensar” o Brasil, sua cultura, a religião no campo político, a política no campo religioso.

Em livros publicados pelo ISER (alguns em parceria com a Editora Loyola e com a EdUERJ) discorreu sobre o “caráter encompassador do catolicismo brasileiro”, analisou “a dança dos sincretismos”, chamou a atenção para “as porosidades presentes nas relações entre religiões e sociedade”, identificou “identidades múltiplas e compósitas”também entre evangélicos e afro-brasileiros. Tudo isto – sem esquecer diacrônica e sincronicamente – as dominações religiosas e políticas “há muito assentadas e dos processos dialéticos brutais ou sutis, travados entre poderes e resistências”.

No posfácio escrito para nosso livro coletivo intitulado O Mal à brasileira, Pierre afirma que as “armas do cartesianismo” e a “razão dicotômica” – que já tinham entrado em crise nos seus melhores redutos – não oferecem solução para superar nossas históricas mazelas. E conclui dizendo “(…) quem sabe o único “jeito”, no mundo contemporâneo, seja o de trocarmos entre nós – e também o Brasil trocar com os outros – “as nossas e as suas utopias, para que não percamos, todos juntos, a esperança”. Utopias e esperança.Nada mais necessário e atual.

Sem dúvida, ultrapassando conjunturas,a obra de Pierre Sanchis– através do estudo das religiões dos brasileiros –é indispensável para compreender o Brasil de ontem e de hoje. Com reconhecimento e sob sua inspiração, essa também continua sendo a aposta do ISER. O que parece ser nossa melhor maneira de homenagear o mestre Pierre Sanchis.

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