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ISER lança vídeo crítico às audiências de custódia por videoconferência

“Minha audiência de custódia não durou mais que cinco minutos. Eu não falei nem duas frases, não tive a oportunidade de contar o que aconteceu. “Se presencial ele [o juiz] já não presta atenção no que o réu fala, imagina on-line”. Essa é a fala de um sobrevivente do sistema prisional do Rio de Janeiro, que evidencia as fragilidades do sistema de Justiça.

A narrativa segue demonstrando os percursos de injustiça gestados pelo próprio poder judiciário:

“Já sou preto de favela, nunca que a juíza vai acreditar na minha palavra. Vai preferir acreditar na palavra do policial, mais a testemunha. Eles julgam a gente pela cor da nossa pele, pela forma de falar, por morarmos onde moramos, tudo contribui. E se, na minha visão contribui, é racismo sim”, ele desabafa, no vídeo produzido pela área de Justiça e Direitos do ISER.

“O vídeo se inscreve em um conjunto de ações desenvolvidas dentro dos últimos meses por diversas frentes de lutas coletivas”, destaca a pesquisadora da área de direitos e sistema de justiça do ISER, Nina Barrouin. Entre as iniciativas estão a produção de um vídeo para fortalecer a campanha #TorturaNãoSevêPelaTV e o lançamento do artigo “Quem não gosta de gente não serve para ser juiz”.

Audiência de custódia virtual

Quando uma pessoa é presa, ela deve ser levada a um juiz para uma audiência de custódia, idealmente em um prazo de até 24 horas do momento da prisão. É nessa audiência que o juiz ouve a pessoa que está sob custódia e deve analisar a legalidade da prisão, avaliando a necessidade e adequação da continuidade dela ou a possibilidade de concessão de liberdade à pessoa presa, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares.

Outro objetivo das audiências de custódia é detectar e dar encaminhamento à denúncias de tortura e maus tratos por parte de agentes do Estado, ocorridos entre o momento da prisão e a apresentação da pessoa a um juiz. Na audiência também devem estar presentes também um representante do Ministério Público e um defensor público, ou um advogado particular.

Em novembro de 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou por maioria um ato normativo que trata da realização de audiências de custódia por videoconferência, quando não for possível a realização de forma presencial em até 24 horas.

Os impactos da medida na garantia de direitos fundamentais foram objeto de apelo urgente por mais de 60 organizações da sociedade civil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em janeiro deste ano. Como uma ação complementar à mobilização que tem feito sobre a questão, o ISER lança hoje o vídeo de depoimento de sobrevivente do cárcere.

Segundo o apelo feito à CIDH, a aprovação da medida limita o direito de defesa, prejudica a qualidade do processo decisório e impossibilita a prevenção de maus-tratos e tortura, que frequentemente acontecem nos casos de prisão em flagrante.

Além disso, a realização de audiências de custódia por videoconferência espelha o racismo sobre a população jovem, de baixa escolaridade, negra e periférica do país. Não por acaso, 77,4% dos presos em flagrante no estado do Rio de Janeiro entre setembro de 2017 e setembro de 2019 se autodeclararam negras (pretas ou pardas), de acordo com pesquisa realizada pela Defensoria Pública do RJ. Assim como cerca de 80% das vítimas de agressões denunciadas em audiências de custódia são pessoas negras.

Frame do vídeo produzido pelo ISER
Frame do vídeo dirigido por Filipe Cordon

Covid nas prisões

Através da Plataforma Covid nas Prisões, lançada em maio de 2020, o ISER oferece um ponto de apoio para as movimentações coletivas dos defensores de direitos humanos. O site reúne informações importantes sobre a pandemia no sistema prisional e sobre os debates acerca do sistema de justiça, tendo como foco importante as audiências de custódia.

Mas as ações não param por aí. “Atualmente, estamos desenvolvendo uma pesquisa, a partir de um convênio com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, sobre as audiências de custódia e em breve lançaremos uma nova plataforma online especificamente sobre as audiências de custódia”, conta Nina.

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