Por Luíza Boechat
Em abril de 2013, foi inaugurado o conjunto habitacional Alterosa, do Minha Casa Minha Vida, em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte/MG. O conjunto com 1640 moradias, divididas em 82 blocos e 11 quadras, foi construído em uma área anteriormente não ocupada, o que tem impacto na forma como as infraestruturas e os serviços são oferecidos na localidade e também na forma como o senso de comunidade e o vínculo entre os moradores se dá.
Em Alterosa, era rara a sensação de pertencimento por parte de seus novos habitantes, e a existência de grupos rivais fez com que o conjunto fosse estigmatizado como violento. Essa combinação gerou uma baixa autoestima nos moradores, que também começaram a receber olhares preconceituosos das pessoas da região, e não se sentiam orgulhosos do lugar onde moravam. “A gente chamava os amigos para virem aqui, mas pessoas tinham medo de tomar tiro” – contou Gabriel, de 14 anos, que vive em Alterosa desde 2013. Outro jovem, Ryan, de 15, relatou que uma professora, ao ver seu endereço, perguntou se ele morava no “Carandiru”, apelido negativo que foi dado ao seu bairro.
Nesse contexto, em julho de 2016, teve início o projeto #SouAlterosa, apoiado pelo Fundo Socioambiental da Caixa Econômica Federal, coordenado pelo ISER, em parceria com o Núcleo de Assessoria, Planejamento e Pesquisa (NAPP) e o Instituto Bem Cultural (IBC), com o objetivo de promover o desenvolvimento integrado e sustentável do território. Através do Mapa Rápido Participativo, foi possível diagnosticar os problemas e também as potencialidades do lugar. A partir daí, começaram as ações do projeto, com a participação dos moradores e moradoras na construção de todas elas. Nesta linha do tempo, você pode conhecer as principais atividades que aconteceram nos primeiros anos do #SouAlterosa.
Após dois anos de atuação, o projeto teve fim em junho deste ano. Conversei com nove moradores e moradoras para saber quais mudanças foram percebidas no bairro, desde o início do projeto, quais foram os momentos mais marcantes e quais são os compromissos individuais e coletivos com o bairro de agora em diante. Sete dos nove entrevistados estão no conjunto desde sua inauguração e duas irmãs se mudaram para lá em 2017.
Matheus, de 14 anos, que mora em Alterosa desde 2013, acredita que a maior transformação do projeto foi trazer uma aproximação entre os moradores “não existia essa união; conversar, criar projetos juntos, cada um ensinando uma coisa que sabe para outra pessoa foi uma grande mudança”. Adenilce, conselheira do Alterosa e uma das mediadoras comunitárias contou que os moradores eram fechados, não havia vínculos com pessoas de outras partes do conjunto – “houve muita resistência, mas a feira ajudou muito na integração, as pessoas quiseram se envolver, passaram a se conhecer e perceberam que aqui é um lugar de muita potência. Tive a oportunidade de participar de reuniões em 80 dos 82 blocos do Alterosa, conheci muitas pessoas e situações que eu não podia imaginar que aconteciam aqui. Eu mesma pensava em ir embora, mas depois de conhecer melhor a realidade, quis ficar para melhorar o lugar”. Ryan contou que os cursos foram muito importantes, pois fizeram com que muitos moradores que ficavam ociosos em casa encontrassem propósito – “Conheço pessoas que conseguiram empregos depois de fazerem as oficinas e de participarem do núcleo de comunicação comunitária, e também pessoas que voltaram a estudar porque se motivaram com os cursos”. Brenda, de 18 anos, fez o curso de manutenção de equipamentos para produção de eventos e descobriu um talento para o ramo – atualmente, trabalha no espaço de eventos de Alterosa e nas feiras culturais.
As feiras culturais têm sido o ponto alto do bairro. Mariza, que mora lá desde 2013, começou vendendo seus salgados caseiros na primeira feira e, atualmente, é a referência de Alterosa quando o assunto é quitute – “Gostei de participar da feira porque, a partir dela, comecei a receber encomendas”. Os cursos também ajudaram a divulgar o trabalho de Mariza “fui fazendo amizades e conheci gente de quase todas as quadras”.
Para Mariza, a primeira feira foi um dos momentos mais marcantes nesse tempo de projeto “Fiz 3kg de massa e fui sem acreditar muito, mas rapidinho vendi e tive que voltar em casa para preparar mais”. A Feira Cultural de Alterosa foi uma das estratégias do projeto para a dinamização da economia comunitária, e se consolidou por meio de diversos cursos de capacitação, como segurança alimentar, gestão e precificação, e da aquisição de barracas e vestimenta para a artesãs e culinaristas, que acabaram formando uma rede. Atualmente, a Rede de Artesãs e Culinaristas de Alterosa é referência em Ribeirão das Neves e compõe a Rede Municipal de Economia Solidária. Além da parte de gastronomia e artesanato, há também apresentações musicais, de dança, teatro e slam.
Cada morador tem para si o que mais marcou dentre as ações do #SouAlterosa: para Lorena, Ryan e Gabriel, foi concluir o curso de fotografia oferecido no Núcleo de Comunicação Comunitária, coordenado pelo professor Oderval Junior, grande referência para os jovens participantes. Para Matheus, o mais marcante foi o Prêmio de Direitos Humanos que eles receberam do Governo de Minas Gerais pela mostra fotográfica feita no bairro.
Foi um consenso entre os moradores que o projeto ajudou a mudar a imagem negativa que existia sobre o bairro e o Prêmio foi um dos fatores que, junto do orgulho de ser Alterosa, trouxe pertencimento. “Muita gente nem sabia que a gente existia. Somos da periferia e o Governo premiou a gente!”, conta Ryan.
Adenilce, Conselheira de Alterosa afirma que a mediação é transformadora “Me fez entender a vida por um outro olhar, entender os problemas das pessoas e me ensinou a fazer perguntas que ajudam o outro a encontrar a solução”.
Com o fim do programa, perguntei a eles quais são seus compromissos com o bairro, para darem continuidade a tudo que vem sido construído coletivamente. Adenilce pretende, como Conselheira, escutar as necessidades da comunidade e levá-las ao Conselho. Mariza vai continuar participando dos cursos e reuniões. Gabriel quer que o bairro seja mais agradável e se compromete com os mutirões de limpeza. Ryan continuará engajado em manter a imagem do seu bairro sempre mais positiva e quer fomentar mais cultura.
A juventude de Alterosa resiste e transforma seu bairro através da arte e da comunicação. Uma das jovens integrantes do Núcleo de Comunicação Comunitária, Lorena (15) disse que seu compromisso com o fim do projeto é de organizar um sarau e um jornal comunitário “Quero trazer mais arte e cultura para cá – aqui tem muita gente com talento, que desperdiça isso. Eu e meus amigos já estamos fazendo saraus para lermos nossos poemas e textos, mas quero envolver mais pessoas da comunidade”. Segundo Matheus, de 14 anos, “o que mais tem aqui é história de vida impressionante – dava muito para falar disso em um jornal comunitário. Quero ser Embaixador do Alterosa”. Meire que pretende estudar Medicina, disse que quer fazer a diferença “As pessoas daqui não têm que se agarrar ao que as pessoas de fora pensam, vou mostrar para o mundo lá fora que queremos um futuro melhor”.
Por fé na fé da moçada, na juventude, ainda é o melhor caminho. Alterosa está em boas mãos.