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Menos da metade dos parlamentares da Frente Evangélica no Congresso são evangélicos

O que significa ser cristão no poder institucional? Como as religiões estão posicionadas em Brasília, no centro do poder? Há muito senso comum sobre o tema, que recorrentemente é tratado identificando evangélicos como sinônimo de neopentecostais ou cristãos como sinônimo de evangélicos, mas a essa altura em que o estado laico é negado à luz do dia, a partir de discursos radicalizados e extremistas assumidos por lideranças políticas, é necessário olhar com atenção contínua para entender o tabuleiro da religião na política, sua complexidade e organicidade. O ISER (Instituto de Estudos da Religião), que há cinco décadas reúne pesquisas sobre religião, lança agora uma plataforma online para acesso público, a Religião e Poder, onde apresenta dados, análises e reportagens estruturadas sobre o tema. Entre os destaques desta primeira etapa da plataforma estão os retratos das frentes parlamentares religiosas, construída em parceria com a Gênero e Número – organização que atua na interseção entre jornalismo de dados e pesquisa.

A partir dos dados levantados, é possível observar que dos 203 deputados e senadores que estão na Frente Parlamentar Evangélica (195 deputados federais e 08 senadores), 93 se declaram evangélicos, o que representa 46% dos signatários da frente. O que leva, então, os outros 54% a se identificarem com esse bloco? Além de se mostrarem favoráveis à existência da Frente, já que a exigência regimental para sua formalização depende de um terço das assinaturas do total de parlamentares, há, por parte deles, o reconhecimento da influência dos atores articulados nesses grupos. “São múltiplas as camadas que motivam essa atuação parlamentar e a identidade religiosa é apenas uma delas. Essas Frentes, e seus núcleos de articulação, simbolizam e protagonizam projetos políticos que, dependendo do contexto, ganham maior ou menor adesão e força política professando o parlamentar a religião A ou B. O contexto atual direciona os nossos olhares para as Frentes Evangélica e Católica”, explica a pesquisadora e diretora-executiva do ISER, Ana Carolina Evangelista, 

“Entendemos também ser fundamental observar a atuação religiosa na institucionalidade de maneira mais ampla, o que inclui o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, atentos tanto às articulações quanto aos dissensos entre católicos, evangélicos e adeptos de religiões de matriz africana. E é isso que essa Plataforma buscará fazer, além de servir de fonte para pesquisadores e jornalistas.”

A Frente Evangélica tem um movimento pioneiro na articulação religiosa no Congresso. Estabelece interesses e defende valores que passam a ser considerados nos debates legislativos, balizam projetos, justificam posicionamentos. Foi constituída em 2004, nove anos antes da Frente Parlamentar Católica, que hoje conta com 216 parlamentares (207 deputados e 09 senadores). Desses, 140 (67%) mantêm vínculos com o catolicismo, como mostra o levantamento feito no estudo. 

Fazer a leitura desse cenário exige olhar também para a Frente Parlamentar de Defesa dos Povos de Matriz Africana. Estabelecida em 2011, em primeira composição, ela se apresenta na atual legislatura como a maior das frentes com identidade religiosa, com 218 signatários. Entretanto, não é a mais influente ou articulada nos debates no Congresso. Chama a atenção o fato de os signatários desta Frente não declararem pertencimento a religiões de matriz africana. 

Discutir a complexidade dessas frentes e o atravessamento que fazem – e como fazem – nos poderes executivo, legislativo e judiciário é proposta central da plataforma Religião e Poder. “A nossa primeira ação a partir dos dados coletados foi localizar esses personagens religiosos em alguns dos debates mais vistos em 2020, como direitos reprodutivos e ‘família’, por exemplo, e entender qual o caminho percorrem e como eles influenciam na centralidade dos temas no Congresso Nacional. Outro ponto principal é a apresentação desses protagonistas, porque também queremos que ao acessar a plataforma o leitor faça um monitoramento de como cada parlamentar age. São nomes, até então, ausentes dos noticiários, mas que exercem grande influência em pautas fundamentais”, explica Lola Ferreira, da Gênero e Número, coordenadora de jornalismo e dados nessa etapa do projeto. 


Mapeamento do Congresso

As Frentes são destaques nesta pesquisa, mas a religião como força política precisa ser considerada a partir da constatação de que apenas 24% do Parlamento não é signatário de nenhuma frente religiosa. 

Para que a observação das Frentes Religiosas possa fazer jus à organicidade das estruturas, a análise realizada pelas equipes de pesquisa e de apuração é feita a partir de dois prismas. Em primeiro lugar, observa-se a atuação das Frentes Parlamentares com identidade religiosa, buscando verificar a relevância e o peso dessa que é uma entre tantas formas de articulação de deputados e senadores que atuam no Congresso. Paralelamente, também são consideradas as movimentações das “bancadas informais” relacionadas a essas frentes, o que possibilita localizar os agentes de influência entre parlamentares. 

O mapeamento, que pode ser visualizado em estruturas interativas no site do estudo, não tem relação com o clássico mapeamento geográfico, mas sim com a identificação de movimentos, posicionamentos, enunciações e práticas de poder de atores político-religiosos. 

A pesquisa, que tem como ponto de partida este retrato do Congresso, vai se estender aos outros poderes. Isso inclui, ainda, uma pesquisa já em andamento sobre as eleições municipais de 2020, que busca entender como as articulações religiosas impulsionam as candidaturas ao legislativo municipal, inclusive entre a vertente cristã de cunho mais progressista, a Bancada Evangélica Popular. Os resultados serão divulgados na mesma plataforma.