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O que as Olimpíadas de Tóquio ensinaram sobre a garantia de direitos humanos no esporte

Como as Olimpíadas podem contribuir com o debate sobre direitos humanos? Na opinião de Andrea Florence, diretora interina da Sport and Rights Alliance, o esporte exacerba as desigualdades que existem na sociedade. Por isso, os Jogos Olímpicos demonstram, ao mesmo tempo, os desafios e os avanços na garantia de direitos humanos. 

Como membra de uma aliança global de organizações da sociedade civil e sindicatos que atuam com esporte e direitos humanos, Andrea conversou com o ISER à luz da 32ª edição das Olimpíadas, realizada na capital japonesa. Daqui a seis dias começam os Jogos Paralímpicos, também em Tóquio.

“Com certeza os atletas estão se pronunciando mais. O movimento Black Lives Matter nos Estados Unidos foi precursor dos protestos antirracistas nos Jogos e os atletas ajudaram a propagar os ideais. Até por isso, o Comitê Olímpico tentou banir o ativismo de atleta, mas uma semana antes das Olimpíadas voltou atrás e disse que tudo bem, que poderia haver manifestações”, lembra Andrea. 

“O direito de protesto dos atletas não pode ser limitado pelo Comitê Olímpico Internacional e as Olimpíadas mostraram isso. Os posicionamentos vão aumentar porque os atletas estão vendo que não têm como dissociar o esporte dos direitos humanos. Os atletas estão percebendo o poder que têm, pois são o produto e o trabalho das Olimpíadas e dos megaeventos. Então todo o poder é deles”, destaca.

A flexibilização da Regra 50 da Carta Olímpica, que proibia esse tipo de posicionamento, contribuiu com o aumento das manifestações políticas dos atletas. “Parte da aplicação da regra caiu porque grupos da sociedade civil se levantaram e falaram sobre como isso estava violando os direitos humanos dos atletas. A pressão internacional contribuiu para que o Comitê Olímpico visse que essa regra não deveria ir para frente”, afirma. 

Andrea Florence, diretora de atuação da Sports and Rights Alliance.
Andrea Florence, diretora interina da Sport and Rights Alliance.

Os desafios para a garantia dos direitos humanos no esporte

Segundo Andrea, pelo menos quatro fatores dificultam a aplicação dos direitos humanos no mundo do esporte. Um deles é a falta de menção ao tema nos regulamentos. “Uma das nossas campanhas é pela inclusão de direitos humanos como princípio oitavo da Carta Olímpica. Porque tem vários princípios de olimpismo dentro desse documento, mas não tem nenhum sobre direitos humanos”, destaca. 

A principal referência das organizações que atuam para a garantia de direitos humanos no esporte é o UN Guiding Principles on Business and Human Rights, os Princípios Orientadores da Organização das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos. Como ainda não são tratados internacionais e estão sendo discutidos pela ONU, a maioria dessas organizações se esquiva da responsabilidade de garanti-los, afirma Florence. Esse é outro fator.

Além desses dois fatores, no âmbito legal, o Comitê Olímpico Internacional e as entidades do esporte como Federação Internacional de Futebol (Fifa) e Federação Internacional de Basquetebol (Fiba) são ONGs baseadas na Suíça. “Elas usam esse artifício para se esquivar das obrigações de direitos humanos, porque falam que não são empresas, mas movimentam bilhões de dólares anualmente”, explica Andrea. 

O quarto fator que dificulta a implementação dos direitos humanos é o conceito de autonomia do esporte, como se ele estivesse separado das outras esferas sociais. “É como se o esporte conseguisse viver em um vácuo. Isso é muito prejudicial para a aplicação dos direitos humanos, porque esses atores se vêem à parte da sociedade, e afeta tanto os atletas quanto as pessoas em torno do esporte”, reforça a diretora. 

Os avanços para a garantia dos direitos humanos no esporte

No entanto, a pressão de movimentos sociais e redes como a Sport and Rights Alliance têm conquistado avanços importantes. Após as denúncias de violações de direitos humanos na Copa do Mundo no Brasil, em 2014, e no Catar, em 2018, a Fifa mudou o artigo terceiro do seu estatuto para incluir os direitos humanos. Isso fez com que o Comitê Olímpico Internacional se visse obrigado a seguir o mesmo caminho.

“Agora a gente está no movimento de cobrar as ações do Comitê Olímpico Internacional”, diz Andrea. A pressão é para que não só se inclua um princípio que fale sobre o respeito de direitos humanos na Carta Olímpica mas para que o Comitê crie sistemas e processos para lidar com riscos aos direitos humanos, monitorar como isso vai acontecer, e garanta mecanismos que recebam relatos de abusos e lidem com violações de direitos humanos”.

Ela também comentou sobre a maior abertura para manifestações religiosas nos Jogos: “o respeito às diferentes religiões têm que acontecer dentro e fora do esporte. O esporte tem que se adequar para conseguir respeitar ao máximo todas as religiões e não deve servir como um impedimento de uma expressão religiosa. Pelo contrário, deve ser inclusivo o suficiente para englobar todas as religiões”. 

 

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