O ISER disponibiliza o relatório desenvolvido a partir de uma pesquisa realizada em 2012, em parceria com o Ipas, organização internacional dedicada aos direitos reprodutivos da mulher, sobre a criminalização do aborto. Este trabalho envolveu o levantamento dos dados dos registros de ocorrência elaborados entre 2007 e 2011 e dos processos judiciais distribuídos entre 2007 e 2012 no estado do Rio de Janeiro referentes ao crime de aborto entre mulheres menores de 18 anos.
Esse estudo chegou a constatações quantitativas e analíticas. A pesquisa mostrou, por exemplo, que a pobreza não pode explicar a prática do aborto, mas há inúmeras evidências da relação entre pobreza e criminalização do aborto. Há uma série de expectativas de comportamento dirigidas a adolescentes oriundas das classes sociais mais desfavorecidas em termos de renda, escolaridade e oportunidades sociais. Nesse sentido, a criminalização do aborto é uma forma de opressão exercida sobre as mulheres pobres. O estudo também revela que, embora o aborto tenha recebido penas menos graves, as diferentes fases da criminalização são punitivas em si e acionam certas ideias que estigmatizam as jovens pobres. O relatório sustenta que reconhecer as mulheres como sujeitos de direito, com autonomia sobre seus corpos e sexualidade, é um princípio caro à descriminalização do aborto.
Para um melhor entendimento sobre esse relatório, o ISER entrevistou a Beatriz Galli, assessora de políticas para a América Latina do Ipas e Relatora Nacional do Direito à Saúde Sexual e Reprodutiva da Plataforma Dhesca Brasil, quem acompanhou diretamente a produção dessa pesquisa.
ISER – Descreva um pouco a trajetória do IPAS com o tema do aborto, dando um breve panorama das pesquisas realizadas (objeto, ano, abrangência), e colocando como esta pauta se insere na missão da organização.
O Ipas trabalha a nível nacional, global e regional para aumentar a capacidade das mulheres exercerem os seus direitos sexuais e reprodutivos, e para reduzir a morbi-mortalidade materna derivada do aborto inseguro. No Brasil, o Ipas já realizou várias pesquisas, sendo uma sobre a magnitude do aborto no Brasil. Você pode ter mais informações na página: www.aads.org.br.
Bia Galli – Temos trabalhado com pesquisas sobre o impacto da criminalização no aborto, e em março de 2013 realizamos a primeira audiência regional sobre o tema na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da qual o ISER participou. Além disso, prevíamos trabalhar com a qualidade da atenção em saúde para as mulheres em situação de aborto nos serviços públicos e saúde, e em parceria com organizações feministas, elaboramos um levantamento em 5 estados no Brasil sobre o impacto da criminalização do aborto no sistema de saúde e na saúde das mulheres, cuja publicação dos dados consolidados está neste relatório.
Sobre a criminalização das mulheres, fizemos relatórios e materiais sobre o caso das quase 10.000 mulheres criminalizadas no estado do Mato Grosso do Sul ocorrida após o estouro de uma clínica de planejamento familiar pela polícia em 2007.
ISER – Quais os dados e/ou percepções revelados nessa pesquisa em parceria com o ISER mais importantes de serem destacados e que podem nortear a formulação de políticas públicas para que as adolescentes estejam cada vez mais no controle de suas sexualidades, e o Estado assuma um papel educador em relação aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres?
Bia Galli – Estamos agora na segunda fase da pesquisa com o ISER sobre o tema da criminalização do aborto e o seu impacto para os direitos sexuais e reprodutivos das adolescentes. Na primeira fase, ficou clara a insuficiência do acesso das adolescentes às políticas de educação em sexualidade, e a necessidade de que tais políticas (que) sejam abrangentes, para que as mulheres possam conhecer os seus direitos sexuais e reprodutivos. A maioria das adolescentes não teve acesso à informação para prevenção da gravidez indesejada e teve que sofrer o estigma relacionado ao aborto inseguro e à investigação policial, além do processo de cumprimento da medida socioeducativa. A adolescente ainda não é vista como um ser autônomo capaz de tomar as suas decisões informadas sobre saúde sexual e reprodutiva, apesar de termos uma legislação avançada, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente.
ISER – Quais foram os frutos dessa pesquisa? Há perspectivas de novos desdobramentos?
BIA GALLY – Um dos frutos da pesquisa foi poder identificar o perfil da adolescente que está em risco de se submeter ao aborto inseguro e a rota que ela percorre para tentar exercer os seus direitos reprodutivos, como todas as implicações psicológicas, legais e pessoais que isso significa. Além disso, podemos ver como são as representações sociais acerca da sexualidade vivida pelas adolescentes por parte dos operadores do sistema de justiça e as barreiras existentes para que a adolescente possa tomar decisões reprodutivas e planejar o seu futuro. Estamos agora na segunda etapa da pesquisa para verificar o tratamento do Judiciário nos casos de adolescentes investigadas por aborto em outros municípios do estado do Rio.