O Rio de Janeiro é o primeiro estado brasileiro a se mobilizar pela construção de um plano de promoção da liberdade religiosa. Trata-se de uma iniciativa do Grupo de Trabalho de Enfrentamento à Intolerância e Discriminação Religiosa para a Promoção dos Direitos Humanos (GTIREL/RJ) e do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos (CEPLIR).
Entre 2008 e 2010, a Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos, da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos (SUPERDIR/SEASDH) realizou uma série de visitas a diversos centros e casas religiosas, além de encontros com distintos segmentos religiosos, a fim de se a conhecer realidade e as demandas de cada um. Após esse diagnóstico, apontou-se a importância de se ter um grupo permanente de trabalho para enfrentamento da intolerância à liberdade religiosa. Neste contexto, foi constituído, em 2011, o GTIREL/RJ, formado por lideranças de diversos segmentos religiosos, representantes de diferentes órgãos do governo estadual, acadêmicos e pesquisadores do tema, para se construir uma identidade e uma agenda de políticas públicas comum. Hoje, participam deste Grupo de Trabalho mais de 40 pessoas, cerca de 20 credos, dentre ciganos, luteranos, budistas, católicos, luteranos, anglicanos, judeus, umbandistas, candomblecistas, messiânicos, hare krishnas. O diálogo entre esta magnitude de diferenças tem propiciado o entendimento de que é possível conviver na diversidade.
Já o CEPLIR, foi inaugurado em 2012, a partir de um convênio firmado entre a SUPERDIR/SEASDH e a Secretaria Especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR-PR), sendo um equipamento público que oferece para a população fluminense atendimento jurídico, psicológico e de assistência social para o enfrentamento da intolerância religiosa e promoção dos direitos humanos.
A partir das experiências do GTIREL/RJ e do CEPLIR, evidenciou-se a necessidade de se construir um plano que expressasse um posicionamento institucional do governo do estado do Rio de Janeiro, e um conjunto de ações de enfrentamento à intolerância religiosa que pudesse ser implementado em diversas áreas, como segurança pública, educação, saúde, assistência social, direitos humanos, trabalho e renda. O Plano Estadual de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos (PEPLRDH-RJ) é, portanto, fruto de um processo de formulação de uma política de intolerância religiosa. O Instituto de Estudos da Religião (ISER) acompanhou essa construção desde o início, contribuindo com especialistas ligados ao tema para debater as propostas, e com a experiência em elaborar metodologia para dialogar em meio à pluralidade de perspectivas, de modo a reconhecer a alteridade constituir uma unidade em meio às diferenças, sem homogeneizar. Assim, o desenho do Plano foi inspirado na metodologia do Movimento Inter-Religioso, movimento que o ISER ajudou a instituir após a ECO-92, sendo um espaço onde convivem harmonicamente mais de trinta religiões históricas, tradições e movimentos espirituais, e cuja missão é a unidade na diversidade, ou seja, a compreensão de que os problemas na atualidade só podem ser enfrentados através do reencontro da unidade que existe entre todos os seres e culturas.
Neste momento, o texto-base que formará o PEPLRDH-RJ encontra-se aberto para consulta pública no site da SEASDH. Com o intuito de estimular uma reflexão sobre o Plano e novas contribuições para o mesmo, o ISER promoveu um encontro aberto, no dia 14 de fevereiro, com o superintendente de direitos individuais, coletivos e difusos da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, Cláudio Nascimento, o coordenador do CEPLIR, Adailton Moreira, e a defensora pública Glauce Franco, representando a Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (ADPERJ), que também participou da elaboração do Plano. Neste encontro, estiveram presentes cerca de vinte pessoas, dentre pesquisadores do ISER, do IUPERJ, do Museu Nacional da UFRJ, do IFCS/UFRJ e do PPCIS/Uerj, membros do Movimento Inter-Religioso, da comunidade Fé Bahá’í e da KOINONIA.
O texto-base do Plano é constituído pela sistematização das discussões levantadas nos quatro grupos de trabalho do GTIREL: Sistema de Justiça, Meio Ambiente e Direitos Humanos (GT 1); Cultura, Comunicação, Mídia e Novos Temas (GT 2); Saúde, Assistência Social e Previdência Social (GT 3); Educação, Ciência e Tecnologia (GT 4). A sistematização de cada GT possui, no mínimo, uma diretriz com as respectivas ações programáticas e recomendações. Este material norteou a dinâmica do encontro no ISER. Todas as sistematizações foram lidas e emergiram várias propostas de alteração do PEPLRDH-RJ, desde substituição de termos à incorporação de outras ações. Como esclareceu a defensora Glauce Franco, a legitimidade da mudança do texto-base vem da participação da sociedade, portanto, as sugestões levantadas no encontro só serão incorporadas, se forem formalizadas, ou seja, o interessado em contribuir precisa preencher o formulário da consulta pública disponível no site.
Dentre as novas propostas sugeridas, no âmbito do GT 4, foi colocada a importância da criação de uma semana de estímulo da promoção do diálogo inter-religioso, com metodologias inclusivas, para os professores. Outra ausência percebida no texto-base foi a referência aos não religiosos. Apesar da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos ter participado da construção do Plano, este segmento não é explicitamente contemplado. O pesquisador do ISER Clemir Fernandes chamou atenção para a intensa discriminação por que passam os não religiosos, já que, segundo o senso comum, não há um sistema moral que rege este grupo.
Ao longo do encontro, evidenciou-se que cada tópico do Plano foi resultado de um minucioso debate que envolveu uma diversidade de abordagens, perspectivas e credos. Além disso, a elaboração das sistematizações envolveu a preocupação em deixar o texto genérico, para que expresse abertura à luta política. A defensora Glauce Franco destacou do PEPLRDH-RJ a criação da Semana de Valorização da Diversidade Cultural e Religiosa, a ser realizada anualmente, como uma grande conquista deste documento, sendo um mecanismo de sensibilização para a temática desde o ambiente escolar. Ainda sobre esta recomendação referente à sistematização do GT 2, foi colocada a importância dessa Semana não folclorizar a diversidade religiosa.
Segundo o secretário da SEASDH Cláudio Nascimento, cada vez mais o Estado assume um papel independente de qualquer religião, no entanto, o Estado não pode ser omisso à intolerância religiosa e precisa reconhecer que ainda existem violações de direitos. O secretário defende, portanto, que o Estado atue de forma muito clara, objetiva e corretiva em relação à promoção de medidas pela efetiva laicidade. Com essa perspectiva, ele acredita que, ao entrar no debate interno da doutrina de cada religião, o Estado pode construir uma estratégia de convívio pacifico entre todos os indivíduos, por exemplo, estimulando valores através de campanhas e agindo corretivamente nas situações de violação de direitos. Cláudio alerta, ainda, que “muitas pessoas acham que a tolerância religiosa está apenas no campo da perspectiva filosófica, mas estamos falando de gente de carne e osso, concreta, que tem no seu dia sofrido uma violação de diretos porque tem uma religiosidade diferente da hegemonia ideal”.
Neste sentido, o Plano Estadual de Liberdade Religiosa e Direitos Humanos do Rio de Janeiro vem para comprometer o Estado com a promoção de políticas públicas que integrem a pauta da liberdade religiosa com a educação, saúde, segurança, entre outras áreas, ou seja, uma atuação global. Depois de fechado o texto, o Plano será formalizado por meio de um decreto e, posteriormente, será criado um termo de cooperação técnica com as secretarias para se definir metas, diretrizes e cronograma, o que está previsto para maio.
As contribuições com o PELRDH-RJ podem ser feitas até o dia 03 de março. As informações estão no site da Secretaria.
Para os interessados em participar do Grupo de Trabalho de Enfrentamento à Intolerância e Discriminação Religiosa para a Promoção dos Direitos Humanos, as sessões são mensais, sempre na SEASDH (Praça Cristiano Otoni, s/nº – Edifício D. Pedro II, 7º andar – Central do Brasil). O próximo encontro será dia 24 de fevereiro às 9h30.