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Sem folha, sem orixá: soluções baseadas na ancestralidade

A visão mítica diz que o Candomblé é composto por Reis, Rainhas, Príncipes, Princesas, Guerreiros, Guerreiras, Curandeiros e Andarilhos, mas pouco falamos sobre o que, de fato, ela é. A natureza! Isso acontece por conta do Itans. Histórias sagradas que dão norte religioso para os sacerdotes e frequentadores da diáspora.

Cada Orixá representa um elemento natural. Terra, água, fogo e ar recebem nomes sagrados e são adorados pelos seguidores do culto oriundo de África. Não é atoa que as águas de Oxum e Iemanjá recebem ofertas constantes dos adeptos do Candomblé e Umbanda. Água é vida desde a gestação e, por isso, precisa ser contemplada.

A própria palavra Orixá diz muito sobre a conexão existente entre nós e a natureza. Orí possui o significado Iorubá de cabeça. Então quando emitimos a palavra Orixá, estamos nos referindo ao Deus ou, energia, da cabeça de uma determinada pessoa.

No período escravocrata a relação entre índios e negros foragidos estreitou ainda mais essa união. As ofertas feitas nas encruzilhadas, alimentavam e norteavam os escravizados em suas fugas, conduzindo-os até os quilombos. 

Outro ponto convergente é a medicina iorubá e indígena, que dão total sentido a frase KOSI EWÉ, KOSI ORIXÁ. O significado da máxima mais utilizada no Candomblé é SEM FOLHA, SEM ORIXÁ. Isso comprova a importância da mata para o culto afro-brasileiro e seus seguidores.

O que é necessário ser compreendido é de que maneira a religião conseguirá se adequar a esse real entendimento sobre o zelo necessário com o que, de fato, conecta o Orixá com os seus filhos. Sim, segundo os dogmas, cada ser humano é filho/a de uma energia natural. 

O fato do corpo de cada ser existente estar ligado a uma energia da natureza é o pontapé inicial dessa conversa. Até porque, você não pode matar aquilo que te mantém vivo, segundo a crença que você professa, né? As pessoas que gerem o Candomblé e a Umbanda devem encontrar uma maneira de trabalhar melhor a questão ambiental para que o sagrado esteja cada vez mais unificado na ideia de preservação e zelo religioso.

Esse sentido de que nós, seres humanos, somos nada mais do que a própria extensão da natureza e não algo a parte ou que é superior, como a sociedade insiste em nos colocar, é o ponto primordial de entendimento para pensarmos de que formas a sustentabilidade pode atravessar nossa vida e se fazer constante em todos os aspectos. 

É necessário haver uma retomada do que a nossa ancestralidade já costumava fazer, quais as tecnologias baseadas na natureza que nossos mais velhos já utilizavam. Por exemplo, o uso de cestos feitos de folhas, para evitar a poluição dos nossos recursos hídricos, a utilização de bonecas feitas de espiga de milho para colocar nos balaios. As tecnologias são diversas, só é necessário nos conectarmos com o princípio. 

Além disso, há também uma necessidade de haver um processo formativo como forma de fortalecimento interno da nossa comunidade religiosa acerca das problemáticas socioambientais que enfrentamos e entendermos como os povos unidos podem lutar contra essa situação que nos foi imposta. 

É importante que aqui fique salientado que essa movimentação mais ambientalmente crítica é uma caminhada que já vem sendo pensada pelos nossos mais velhos desde antes da ECO-92, como bem foi exposto no processo formativo que ocorreu no final do mês de Maio chamado: Percurso do povos de Terreiro – Cúpula Rio + 30. 

Precisamos falar sobre o que vem acontecendo no mundo e nos fortalecer, precisamos ocupar todos os espaços de tomada de decisão e não mais permitir que outros peguem nossas tecnologias e formas de gerir que são funcionais e efetivas e se apropriem, como é o caso da agrofloresta, colocada hoje em palanques como uma das maiores tecnologias baseadas na natureza do momento, mas que já era praticada de forma milenar pelos povos originários, por exemplo. 

A verdadeira tecnologia é ancestral.

Joaquim Azevedo
Joaquim Azevedo é Babalorixá do Ilê Àse Meji Omi Odara, Ativista Sociorreligioso, Escritor, Fotojornalista e fundador do movimento de retomada Aquele Axé.
Lorena Froz
Lorena Froz é  Abian do Ilê Àse Meji Omi Odara, cria do Complexo da Maré, Técnica em Meio Ambiente e Educadora ambiental, Diretora Técnica e de Comunicação da Faveleira, ativista Climática e integrante da rede de Jovens Lideranças Climáticas do RJ.