Por Ronilso Pacheco, teólogo, pesquisador e membro do Conselho Deliberativo do ISER
O historiador indiano Dipesh Chakrabarty tem um importante livro em que ele fala da necessidade de “provincialização da Europa”. Em outras palavras, ele está falando da necessidade de tirar a Europa do lugar de centro da humanidade e da civilização, da voz central, do lugar que tem a maior importância, pauta o mundo e cujas vozes, quando vindas dali, tem mais reverberação. Provincializar a Europa seria como tornar a Europa uma periferia também, ou, visto de outro ângulo, torná-la uma tradição e uma cultura que não é melhor nem pior que a África ou os povos originários das Américas.
Nós podemos aplicar isso à perspectiva da assimilação e da valorização da religião na sociedade Brasileira nesse momento. Podemos entender a “provincialização” como “periferização”. Em outras palavras, nós podemos, e devemos, ampliar a mente, olhos e ouvidos para as vozes religiosas marginais, daqueles e daquelas que não pactuam com o fundamentalismo com tons de supremacia cristã ultraconservadora que tem ajudado a tornar o país menos democrático e livre.
Talvez, parte importante da nossa contribuição, enquanto sociedade, seja exatamente essa: a provincialização, ou a periferização das vozes religiosas que acessam os espaços de reverberação e visibilidade. Se nós sabemos que a religião será um tema caro em 2022 e de fundamental peso na discussão política, e nos rumos políticos do país, no que diz respeito à contribuição para uma sociedade mais democrática e livre, ou mais conservadora, moralista e intolerante, então nós podemos descentralizar os compartilhamento dos fundamentalistas e espalhadores de fake news.
Quando se faz parte de uma sociedade profundamente religiosa, ou com uma presença tão marcante da religiosidade, mesmo para aqueles que não professam qualquer fé em especial, não se tem a alternativa de pensar um projeto de país e de sociedade onde a religiosidade não faça parte. Aliás, cabe muito mais o reconhecimento de que a religião ajuda muita gente nesse povo a resistir, sobreviver e seguir.
Há 50 anos o ISER tem feito isso com brilhantismo, generosidade e afinco. Enquanto o moralismo perverso avançava sobre o país escondido muitas vezes por detrás de uma casca de “defesa dos valores bíblicos”, de “defesa de Deus e da família”, o ISER mostrava a pluralidade de vozes e iniciativas religiosas que contribuem para um país mais justo, respeitador e igualitário.
Evangélicos, católicos, islâmicos, budistas, candomblecistas, umbandistas, judeus, entre muitas outras expressões religiosas têm recebido do ISER a atenção e compartilhamento. Todos aqueles e todas aquelas que fizeram de sua religiosidade um fator determinante para a luta pela transformação social inclusive. Sem supremacia, sem domínio, sem vozes que silenciam outras, provincializando as relações como uma comunidade pluri-litúrgica de justiça.
Isto será necessário em 2022. Que as vozes religiosas se levantem, e que possamos contribuir para que essas vozes apareçam e se multipliquem, sejam ouvidas, toquem corações e mentes e contribuam para demonstrar que o Brasil não pertence a um grupo fundamentalista que torce para o caos e vive do pânico moral sustentado por mentiras e difamações. Isso significa que a mídia precisa entrar nessa rede também. Sair das polarizações e das polêmicas que aquecem redes sociais e aumentam a audiência dos seus jornais. Este é um convite, definitivamente, para um esforço coletivo em direção à justiça e à democracia.