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Mulheres comentam os principais avanços e desafios dentro de igrejas e terreiros em 2021

Moema Miranda

As igrejas e terreiros são espaços centrais de socialização de muitas mulheres desde a infância e se tornaram berços de movimentos sociais importantes. “Aqui no Brasil as comunidades eclesiais de base foram quase um útero de movimentos de afirmação do direito das mulheres”, comenta Moema Miranda, representante da igreja católica como membra da Ordem Francisca Secular.

A forte e histórica presença das mulheres nas bases sociais das comunidades de fé ganhou um novo significado em tempos de retrocessos seguidos, no Brasil e em outros países. “Esse é um momento apocalíptico, em que a gente deve se centrar nas pequenas comunidades e resistências para não perder tudo que avançou”, sugere Moema.

Mãe Beth de Oxum

Um exemplo são as tentativas de apagamento da produção de conhecimento dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana. Mãe Beth de Oxum, Ialorixá do Ilê Axé Oxum Karê, terreiro de matriz afro-indígena da Umbigada, protesta: “a gente conquistou, mas perde a partir do momento em que a extrema-direita assume o poder e rasga todos os documentos, anais, livros, cartilhas e planos elaborados”.

“Os avanços foram ocuparmos lugares como a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura (CNPdC), o Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), assim como as redes de mulheres de terreiro e de axé. […] Foi importantíssimo as mulheres terem se apropriado desse lugar de decisão de políticas públicas”, reconhece a ialorixá.

De fato, um dos principais avanços citados por elas em relação à luta das mulheres foi a ocupação de espaços institucionais, como conselhos, comissões e secretarias. Pois esses órgãos muitas vezes não só constroem políticas públicas, como estabelecem metas e sistemas de monitoramento dentro da estrutura do Estado, e impactam diretamente na preservação e proteção de culturas e religiões.

Isabel Félix

“Outro exemplo de avanço no protagonismo das mulheres foi a participação ativa de dezenove mulheres brasileiras no Sínodo da Amazônia em 2019 em Roma, um espaço que até então reservado majoritariamente aos homens”, ressalta Isabel Félix, pedagoga, doutora em Ciências da Religião e membra do núcleo de incidência religiosa do movimento Católicas pelo Direito de Decidir.

O engajamento das católicas em movimentos sociais tem ampliado sua interpretação religiosa e fortalecido a sua consciência crítica em relação aos seus lugares na sociedade e nas igrejas. “As mulheres que conseguem mais avançar em seu protagonismo e subverter a colonialidade do poder eclesial são aquelas que […] também se nutrem das reflexões teológicas e bíblicas nas perspectivas feministas”, afirma a pedagoga.

Outro tema que não passa batido é a violência contra a mulher e a de gênero. Em declaração publicada no ano passado, o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) reconheceu: “questões relacionadas ao comportamento sexual humano e às relações de gênero dentro da família são tabus em muitas igrejas e em comunidades de igrejas, impedindo-as de serem um lugar seguro e de proteção para mulheres vítimas ou ameaçadas de violência sexual e de gênero”.

Magali Cunha

A pesquisadora em Comunicação e Religiões e professora Magali Cunha repercutiu a declaração do CMI na íntegra em artigo recente para a Carta Capital, afirmando que se trata de “uma importante afirmação sobre a dimensão cristã da justiça que deve ser feita às mulheres e um chamado ao enfrentamento da violência sexual e de gênero”.

No entanto, as interseções entre as lutas das mulheres e as religiões são mais fortes do que parecem. “Na verdade, não existe igreja sem as mulheres. A gente está em uma disputa para o reconhecimento de que esse papel de presença, de sustentação, de gestação de igreja, seja reconhecido na institucionalidade”, conta a franciscana Moema Miranda.

O machismo ainda é um entrave que se manifesta estruturalmente. “No caso da igreja católica, a hierarquia é muito marcada pela preponderância de homens celibatários, papas, bispos, padres, ou seja, marcadamente masculina. Estamos vivendo uma demonstração da saturação desse modelo hegemônico e patriarcal. A Terra não aguenta mais”, lamenta Moema.

Ao analisar a proporção das transformações, Isabel Félix compartilha pouca esperança. “Não há mudanças qualitativas abruptas. Há pequenas mudanças que se misturam às conquistas dos direitos sociopolíticos também presentes em outras esferas da sociedade, entre avanços e retrocessos”.

Mãe Beth de Oxum vai além: “os povos tradicionais, quilombolas, caiçaras e ribeirinhos não têm o que comemorar. Eu enxergo um cenário extremamente preocupante, vejo o Brasil em um precipício sem tamanho”.

Por Julia Boardman

*Fotos de acervos pessoais

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